Crises pessoais são inevitáveis na vida de qualquer pessoa que se aventura mais fundo na descoberta de si mesma e aceitar-se como transgênero é a crise mais profunda que um homem pode experimentar.
Todo mundo sabe que, uma vez "aceso o sinal" da transgeneridade, ele jamais se apaga. O desejo de se travestir pode variar em intensidade e frequência, mas não desaparece. Quando eu pensava que jamais voltaria a me travestir, vivendo uma purge que já durava mais de quinze anos, um trauma existencial grave fez com que esse desejo ressurgisse em mim com força total. Assim como um terremoto remexe as camadas do solo, os traumas normalmente "remexem" todas as camadas de "lixo" existencial acumulado em nosso inconsciente. E tudo que parecia estar definitivamente sepultado, volta à superfície, tornando-se "ferida exposta" a exigir cuidado e atenção.
O desejo de se travestir é um fenômeno psicossocial que deve ter nascido junto com a civilização. Há relatos da sua presença nas mais diversas culturas e das mais variadas formas. Em alguma delas, o travestismo sempre foi considerado uma manifestação do sagrado. Trata-se de uma manifestação extremamente complexa, cuja verdadeira origem ainda permanece bastante obscura, e que acarreta repercussões extremamente graves e profundas na vida de uma pessoa.
Qualquer homem movido pelo desejo de se tornar, ainda que temporariamente, membro do gênero oposto, está experimentando o que chamamos de disforia de gênero, isto é, um sentimento de inadequação relativamente ao enquadramento de gênero (masculino ou feminino) que recebeu da sociedade ao nascer. Esse "mal-estar" que pode variar de um simples desconforto com a própria aparência (masculina) até uma profunda insatisfação com a própria genitália. Em qualquer grau de intensidade, a disforia pode produzir níveis assustadoramente altos de dor e sofrimento psíquico.
O problema é que a maioria das pessoas supostamente ou realmente transgêneras começam a lidar com o travestismo num clima de total oba-oba, olhando apenas para as “pingas” sem se ligarem nos inevitáveis “tombos”; entregando-se à sedução inebriante que a figura feminina pode exercer sobre um homem, em todos os sentidos, sem avaliar as inúmeras armadilhas envolvidas nesse mergulho. A maioria se traveste como se isso fosse tão somente um simples e delicioso passatempo, fazendo tábua rasa da quantidade absurdamente alta de "energia vital" concentrada nesse desejo.
O aviso que sempre dou às pessoas que repentinamente “se descobrem” transgêneras é CUIDADO COM O QUE COMEÇAM E COMO COMEÇAM pois, se você não tem idéia clara do terreno onde está pisando, inevitavelmente os tombos vão se tornar muito mais frequentes dos que as pingas. Mais cedo ou mais tarde, todo CD acabará descobrindo o “lado sinistro” da força descomunal que é a transgeneridade.
Longe se ser um “vício de caráter”, perverso e leviano - como a maior parte das pessoas ainda o consideram - o travestismo representa uma carga existencial tão pesada que, se mal administrada, PODE FACILMENTE DESTRUIR A SAÚDE FÍSICA, MENTAL E A VIDA SOCIAL DE QUALQUER PESSOA!!! O índice de suicídios entre transgêneros é muitos pontos superior à média da população cisgênera.
Descobrir, processar a descoberta, aceitar o desejo, superar os bloqueios e transformar a transgeneridade em algo perfeitamente ajustado à rotina de vida de cada um é uma longa e penosa jornada, que eu tentarei resumir nos dez "D" a seguir:
1 – Descoberta
Para a grande maioria de nós, a descoberta da condição transgênera ocorre ainda na primeira infância, quando as roupas, objetos, brinquedos, passatempos e posturas do universo feminino começam a exercer sobre nós um extraordinário fascínio, uma atração invulgar, considerando a nossa condição de meninos. Usar as roupas da mãe, da irmã, maquiar-se, brincar de bonecas ou simplesmente querer ficar em casa, sonhando, em vez de ir para a rua jogar futebol, coloca quase todas nós diretamente na "linha de fogo" dos nossos pais. Ainda que uma criança não tenha a menor noção de estar fazendo algo "culturalmente proibido", podíamos reconhecer, pela expressão de repulsa dos nossos pais, estar fazendo algo que "não era do agrado do mundo exterior". Entretanto, inexplicavelmente, mesmo sujeitas à ira e repúdio dos outros, era, para nós, a única coisa que "fazia sentido" fazer...
É na infância que a gente começa a se sentir dividida entre as demandas sociais que nos são impostas pela nossa condição de homens e o desejo que move o nosso corpo e a nossa psiquê. Para a maioria das pessoas transgêneras, esse conflito jamais será nem ao menos equacionado, quanto mais superado!
Já na fase adulta, a descoberta em geral se manifesta através de uma curiosidade intensa pela vida de homens que conseguiram cruzar a barreira da masculinidade e ingressar no universo feminino. Crossdressers e Travestis assumidos, assim como Transexuais, exercem um desmedido fascínio nas pessoas transgêneras. E não se trata do mesmo fascínio que essas personagens, pela sua ambigüidade, exercem sobre o público masculino em geral. Trata-se da vontade de íntima de se tornar um deles. A descoberta é dura, sob todos os aspectos e sob todos os pontos de vista, pois representa, do ponto de vista social, algo completamente absurdo um homem querer abrir mão da condição de homem, ainda que temporariamente.
Poucos se deixam levar, ainda na infância, pelo impulso de se identificar com a mulher, assumindo abertamente sua inclinação pelo universo feminino e vivendo, ainda muito cedo, todos os numerosos conflitos acarretados por esse desejo. Por todas as dificuldades, bloqueios, preconceitos e incompreensões envolvidas, a maioria da população transgênera, ao se perceber "transgênera", recalca inteiramente o impulso natural de querer viver de outra maneira. Ou seja, desistem no mesmo momento da descoberta, antes mesmo de tentarem qualquer outro passo, empurrando o impulso transgênero para as profundezas do seu inconsciente.
Já na fase adulta, mais alguns poucos se rendem, em algum momento de suas vidas, baixando as espetaculares “defesas” que constroem para protege-los dessa inexplicável motivação em querer vestir-se e/ou comportar-se como mulher, sendo homem. A maioria, entretanto, passará toda a sua existência mantendo essa motivação duramente recalcada, sem se permitir jamais trazê-la à tona.
2 - Descompressão
Quando a pessoa se rende à descoberta da sua transgeneridade, invariavelmente sua primeira ação é vestir-se como mulher e olhar-se no espelho. Muitas se masturbam, ao se verem numa condição em que sempre desejaram secretamente estar, produzindo orgasmos da maior intensidade. Embora quase todos os homens tenham, vez por outra, uma eventual curiosidade a respeito de como seria vestir-se e portar-se como mulher, o transgênero começa a fazer isso como um ritual, de maneira compulsiva, na fase de descompressão. Ele passa a associar o “estar como mulher” a um estado de intenso prazer existencial, que não se esgota no simples orgasmo. Começa a sentir um desejo de continuar nesse estado pelo máximo de tempo possível e de repetir essa experiência com freqüência cada vez maior, que pode evoluir para um desejo intenso de permanecer para sempre nesse estado.
Para um transgênero, o travestismo não tem o caráter puramente fetichista que pode ter para um homem qualquer ao se ver no espelho travestido de mulher. Ele quer, necessita, deseja ardentemente ir além do espaço do espelho. Precisa apresentar-se como mulher ao mundo e quer que o mundo o reconheça como tal.
Portanto, um desdobramento natural da fase de descompressão é a “saída do armário”, quando o transgênero se arrisca a ganhar o mundo. A sensação de sair “montada” às ruas, “com todo mundo te olhando” (ainda que, na verdade, ninguém esteja nem aí pra você...) é uma das coisas mais recompensadoras e fascinantes na vida de um CD. Como constam de todos os depoimentos de quem sai montada pela primeira vez, não há como descrever a sensação sentida, assim como todos dizem que valeram todos os preços e sacrifícios que pagaram para chegar a fazer isso.
Aqui existe uma outra distinção radical entre o impulso eventual de qualquer homem em se vestir como mulher e o desejo profundo de um homem transgênero em ser/estar mulher: - fetichistas invariavelmente mantêm suas atividades em regime isolado e solitário, jamais pensando em sair do armário.
Pode-se avaliar a dor imensa de uma pessoa, verdadeiramente transgênera, “prendendo” esse desejo indefinidamente, em nome da manutenção de uma fachada social aceitável. É tanta energia represada que um dia ela pode se manifestar na forma de um câncer ou de um surto psíquico.
3 - Deslumbramento
É a fase de "conto de fadas" que se segue à saída do armário, quando tudo são flores e a incrível sensação de bem-estar parece que vai durar para sempre, mesmo que as saídas aconteçam apenas em caráter furtivo e eventual.
As “deslumbradas”, adjetivo comumente dado às CDs recentemente saídas do armário, deleitam-se com tudo que vêm e que estão vivendo pela primeira vez. Por falta de direcionamento, de saber realmente quem são e o que estão vivendo, a maioria se deixa levar pelo prazer intenso propiciado pelo crossdressing, misturando, inclusive, satisfação sexual e transgeneridade, como se fossem uma coisa só.
Baladas, saídas, encontros, fotinhos e comprinhas tornam-se o centro da vida da pessoa, que não consegue pensar em mais nada além da maravilhosa sensação de ter as pernas e as axilas depiladas ou na roupa maravilhosa que vai usar na próxima saída.
Na fase do “deslumbramento”, a maioria exagera mais do que pode e deve . Como diz o ditado, “quem nunca comeu melado"... Em geral, o “deslumbramento” leva a crossdresser a sentir-se “poderosa” demais - e totalmente invulnerável. Poucas cuidam para viver a fase de deslumbramento com algum planejamento e organização. Assim, vão deixando rastros e “pelos-na-cerca”, dezenas de “pequenos problemas” que, a médio prazo, poderão se transformar em verdadeiros “infernos de Dante”.
Em pleno deslumbramento, a maioria tem a convicção de que, se fizer “tudo direitinho”, nunca será descoberta. Nem a mulher, nem a namorada, nem a família nem os amigos notarão “nada de diferente”. O problema é que, praticando crossdressing, não há como fazer “tudo direitinho” sem deixar nenhum vestígio...
O deslumbramento pode durar muito tempo ou acabar rapidamente, mas sempre "tenta" a crossdresser a estender ao máximo a sua duração. Para isso, muitas recorrem ao uso de estimulantes, álcool e até drogas pesadas. Em pleno oba-oba, vale tudo, até sexo inseguro e uso indiscriminado de hormônios.
4 - Decepção
Muito deslumbramento acaba invariavelmente em muito desgosto.
A decepção é um “choque de realidade” e pode se originar das mais diversas fontes, nos momentos mais insuspeitos. Na grande fantasia de um homem transgênero em querer ser mulher, a primeira fonte de decepção é sempre o espelho. Paradoxalmente, a imagem projetada no espelho e as fotos das montagens, que foram as grandes fontes de satisfação na fase de deslumbramento, tornam-se terríveis carrascos de uma hora para a hora. A gente se olha no espelho e não encontra mais aquela antiga satisfação de se ver “vestida de mulher”. Não há mais aquela incrível sensação de bem-estar que havia no início da fase de deslumbramento, em que uma simples “saia com blusinha”, um tamanquinho de madeira, e um batom, comprados na C&A, eram capazes de fazer a festa.
Na realidade, a fonte da decepção não é o espelho nem são as fotos "em si", mas o “olhar crítico” da nossa “mulher interior”, representante implacável do ideal de mulher que cada homem carrega dentro de si e que o transgênero, por razões inexplicáveis, vê-se compelido a vivenciar “na própria pele”:
- como me falta cintura!
- onde estão os meus seios?
- essas sobrancelhas...
- como minhas pernas são musculosas!
- e esse “cinza” que ficou sob a maquiagem? Que vergonha!
- pra que tanto ombro!
- olha só os meus lábios... fininhos...
- e essas “ruguinhas” na testa?...
Essa decepção com o próprio corpo, junto com a tentativa de recuperar o antigo deslumbramento, leva a CD, quase sempre, à intensificação da compra de roupas, calçados e adereços, à realização de laser e/ou ao uso ou à intensificação do uso de hormônios, ingenuamente tomados como "solução milagrosa para todos os "aspectos faltantes” do nosso “corpo de mulher”. No caso dos hormônios, a maioria se vale de contraceptivos e anti-androgênicos (remédios anti-masculinizantes) “receitados” em algum site da internet ou aprendidos de alguma “menina veterana”. As conseqüências desse uso inadvertido pode ser uma decepção mais dramática ainda.
A decepção também pode ser provocada pela descoberta casual, por terceiros, da nossa condição de travestista. Nessa hora, todo o nosso castelo de ilusões vem abaixo, com muito choro e ranger de dentes. A decepção é ainda maior se há uma esposa ou namorada ou parente ou colega desumano e incompreensivo, disposto a transformar a ocasião num grande “rebu”. Depois de serem apanhadas em flagrante, muitas CDs voltam assustadas para o armário, num processo de recolhimento voluntário que chamamos de “purge” - ou purgação. O problema é que, passado algum tempo, o “purge” acaba se transformando em um “urge” - o desejo ardente e incontrolável de se montar que caracteriza a vida de uma CD - e tudo começa de novo, com novas fases de deslumbramento e decepção, num processo interminável de convivência totalmente neurótica e insatisfatória com a própria transgeneridade.
Mas as CDs que enfrentam as decepções de peito aberto também não ficam em melhores condições do que as que retornam apavoradas para a segurança dos seus armários. Diante da decepção, tanto voltar para o armário quanto seguir adiante vai sempre causar muita depressão.
5 - Depressão
Depressão é o sofrimento provocado por uma aguda sensação de impotência e menos-valia. Num quadro depressivo, a pessoa se sente um lixo, totalmente incapaz de lidar com suas próprias dificuldades e limitações, de reconhecer seus talentos e méritos, de levar adiante qualquer empreendimento pessoal e, pior ainda, indesejosa de faze-lo.
Os que voltam para o armário, recebem a depressão de modo totalmente conformado, como um preço a ser pago para recuperar a segurança e evitar seguir adiante, uma vez que potencialmente poderiam ter que enfrentar decepções ainda maiores.
A CD que compreende o estado de depressão como mais uma fase a ser vencida na sua caminhada rumo à aceitação da própria transgeneridade, terá que se haver com uma série de novos desafios para os quais, quase sempre, está totalmente despreparada. É nesse momento que muitos CDs procuram apoio médico-psicoterápico. Poucas, entretanto, conseguem encontrar a ajuda adequada de que realmente necessitam, seja pela dificuldade de se abrirem com o médico ou terapeuta a respeito da sua condição, seja pela total inépcia da maior parte dos profissionais de saúde (física e mental) para lidar com a condição transgênera, por total desconhecimento do que esse fenômeno realmente é e representa na vida de uma pessoa.
Porém, a saída da depressão, para os que desejam seguir adiante, saindo definitivamente o círculo vicioso de “urges” e “purges”, é ter que atravessar e sobreviver a uma fase ainda mais terrível do que a depressão.
6 - Desespero
Todas as CDs que resolvem seguir adiante, a despeito da depressão, terão fatalmente que enfrentar o “inferno astral” de toda pessoa transgênera. O desespero é um momento em que vemos tudo ruir à nossa volta. Nossas antigas crenças e valores já não nos servem mais e ainda não temos idéia nítida do que realmente somos ou poderemos vir-a-ser. É uma fase de total desestruturação, em que são muito comuns as crises existenciais agudas, os surtos momentâneos de raiva e, naturalmente, até a vontade de acabar com tudo de uma vez só. Mesmo vivendo a fase de desespero ao lado de uma S/O inteiramente solidária e participativa, e com o apoio honesto e seguro de uma analista freudiana, minha fase de desespero foi o pior momento que já passei em toda a minha vida. Havia dias de eu não ter certeza, pela manhã, se à noite eu ainda estaria vivo e inteiro.
7- Desmistificação
A única saída para o desespero é a desmistificação total e radical do significado da transgeneridade em nossa vida. Desmistificar é enxergar a realidade sem véus de qualquer espécie. É o momento da verdade na vida de um transgênero. Reconhecer e aceitar a minha transgeneridade significa renunciar aos conceitos, rótulos, interditos culturais e proibições morais que me foram impostos desde a minha mais tenra infância.
Desmistificar é desmascarar, parar de mentir pra gente mesmo e encarar a realidade, a despeito de tudo que isso possa representar de desconforto, pra gente e para os outros. A vida é minha e só eu posso decidir como eu quero e vou vive-la. Tenho que arcar com o peso das minhas escolhas, por mais que elas me conduzam a becos sem saída ou sejam do total desagrado das outras pessoas. Eu sou assim e pronto! E que se danem os novos rótulos que me impuserem!
8 - Depuração
A aceitação da transgeneridade é uma simples conseqüência da desmistificação do que ela é, do que representa e de como se manifesta no nosso contexto existencial.
Depuração é uma fase de separação do “joio do trigo”: - o que eu quero do que eu não quero; o que eu posso do que eu não posso; o que eu sou do que eu não sou; o que eu gosto do que eu não gosto; o que eu estou disposto a enfrentar do que eu desejo me resguardar; o risco aceitável do risco inaceitável; o que é meu e o que é do outro, etc., etc. A partir dessas decisões não é necessário mais nenhum esforço adicional para me mostrar aos outros do jeito que eu sou, sabendo, inclusive, que eu tenho total direito de me mostrar apenas para quem eu queira.
Feita a depuração, com a limpeza e eliminação de tudo que está “sobrando” dentro do processo, eu me torno apta para dar um grande salto qualitativo na vivência da minha transgeneridade.
9 - Definição e decisão
A minha grande e inspiradora amiga Jorgete del Rio adverte a toda CD em começo de viagem que procure, antes de mais nada, definir, com a máxima clareza possível, o que realmente pretende ao se travestir.
Definir o crossdressing é estabelecer os alvos e os limites da jornada. Uma boa maneira que encontrei de fazer isso, foi utilizando a velha e boa regra de planejamento, que consiste em se estabelecer o “que, quando, onde e como”.
1 – Que: Com que propósito você se traveste? Você quer apenas representar o papel de mulher, de vez em quando, como expressão da sua ambigüidade, ou o seu desejo vai mais longe, ao ponto de querer ser e viver como mulher em tempo integral? Você pretende ser uma “lady” ou uma “vagaba”? Seu negócio é o glamour das altas rodas ou a “pista”? Você quer “dar” ou “impressionar”?
2 – Quando: Quando você deseja se travestir? De noite? De dia? Sempre? 24h por dia, 360 dias por ano?
3 – Onde: Onde você quer se travestir? Na rua? Em casa? Só em certos locais e eventos? Em quais eventos?
4 – Como: De que forma pretende se travestir? De maneira aberta e escancarada, pra todo mundo ver e saber? De modo mais do que restrito, apenas para você e o seu espelho? Abrindo o jogo inteiramente para a esposa, aceite ela ou não, ou escondendo tudo dela, indefinidamente? De modo temporário ou de modo definitivo? Usando apenas recursos superficiais de roupa e maquiagem ou empregando laser, eletrólise, hormônios e cirurgias feminilizantes?
Uma fez feita a definição do seu crossdressing, é tomar a decisão de fazer - e fazer!
Lembre-se que escolhas condicionam escolhas. Se você define que quer se travestir 24h por dia e 360 dias por ano vai ser totalmente impossível manter isso em sigilo absoluto: - tem que abrir o jogo. Da mesma forma, se você decide que quer ter seios – e decide usar hormônios para isso – vai ter que abrir o jogo com um médico basicamente confiável, como também vai ter que se conformar em ter os seios aparecendo sob a camisa se, simultaneamente, decidiu que não vai viver 24h/360 dias como mulher.
10 - Desenvolvimento
Apesar de ser o último item da minha lista, esta não é, de maneira nenhuma, uma fase de culminância do travestismo, da mesma forma que jamais poderá ser vista como uma etapa totalmente isenta de problemas e dificuldades.
Basicamente, a fase de desenvolvimento do crossdressing é uma permanente reedição de fases anteriores, onde há, inclusive, lugar para aquela sensação inigualável do período de deslumbramento. A única diferença é que agora existe consciência do que está sendo feito, consciência do preço a se pagar para viver o que se deseja e, sobretudo, aceitação da transgeneridade como um aspecto básico da própria personalidade.
Agora eu sei que é impossível separar o ato de me travestir do restante do meu ser: - não se trata de duas pessoas separadas e em conflito uma com a outra, mas de dois aspectos de um único ser, que sou eu. Um ser integral, de carne, osso, mente e espírito.
Aliás, é apenas a falsa separação entre esses dois aspectos do meu ser, imposta a mim pela sociedade, que motivou toda essa difícil jornada de descoberta e aceitação da pessoa que eu realmente já sou.