O conceito de transexualismo; 2. A cirurgia de mudança
de sexo; 3. Das repercussões jurídicas da cirurgia de mudança de sexo;
3.1. No direito penal; 3.2. No direito ciVIL; 3.2.1. Registro Civil;
3.2.2. Casamento; 3.2.3. Filiação; Conclusão
CONCEITO DE TRANSEXUALISMO
Transexual é um indivíduo que se identifica psicologicamente e
socialmente com o sexo oposto. Ele tem todos as características físicas
do sexo constante da sua certidão de nascimento, porém se sente como
pertencente ao sexo oposto. Em síntese, o transexual masculino, é uma
mulher vivendo em um corpo de homem e o feminino uma mulher em um corpo
masculino. Segundo Maria Helena Diniz “o transexual é portador de desvio
psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e
tendência a auto-mutilação ou auto-extermínio.”
A CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO
Para que o portador desse desvio psicológico consiga fazer a
cirurgia, chamada de cirurgia de redesignação do sexo ou de adequação do
sexo anatômico ao sexo psicológico, é necessário que se faça um
diagnóstico extremamente criterioso por uma equipe que envolve
psiquiatras, psicólogos, endocrinologistas, ginecologistas e
cirurgiões. Normalmente exige-se um período de pelo menos dois anos como
um período de teste, em que o indivíduo é submetido a tratamento
hormonais e aconselhado a viver como se fosse do sexo oposto, para se
ter certeza de que se trata de um transexual. Só assim será permitida a
realização da cirurgia.
Nesse sentido a jurisprudência:
Ementa: REGISTRO CIVIL Assento de nascimento
Alteração Pedido de retificação de nome e alteração de sexo no registro
civil c c autorização para cirurgia de reatribuição sexual Inviabilidade
Transexualismo que reclama tratamento médico que só pelo especialista
pode ser deliberado Admissibilidade da cirurgia de transgenitalização
mediante diagnóstico específico e avaliação por equipe multidisciplinar,
por pelo menos durante dois anos (CFM, Resolução 1 652/02). Apelante
inscrito e em fila de espera para o tratamento, que deve ser definido
pela equipe multidisciplinar, independentemente de autorização judicial,
por se tratar de procedimento médico, competindo ao médico a definição
da oportunidade e conveniência Recorrente que, por ora, é pessoa do sexo
masculino Alteração no registro civil que poderá ser tratada
oportunamente após resolvida, no âmbito médico, a questão de
transexualidade Apelo desprovido. (TJ-SP – Ap. 4174134500 - Rel. Carvalho Viana. 10ª Câmara de Direito Privado. j. 09/10/2007)
A Resolução CFM Nº 1.652/02, regula a cirurgia de mudança de sexo,
autorizou que hospitais públicos e privados, independentemente da
atividade de pesquisa, procedam à cirurgia de transgenitalização e/ou
procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais
secundários, como tratamento dos casos de transexualismo.
Em agosto de 2007, o TRF da 4ª Região em Porto Alegre, em sede de
ação civil pública, determinou ao S.U.S. que realizasse cirurgias de
mudança de sexo. A Justiça Federal deu prazo de 30 dias para que o SUS
incluísse na sua lista de procedimentos cirúrgicos tal cirurgia. A
decisão abrangia todo o território nacional e, em caso de
descumprimento, o SUS teria que pagar multa diária de R$ 10 mil reais.
No entanto, logo em dezembro do mesmo ano, a Presidente do STF,
Ministra Hellen Gracie, suspendeu a obrigatoriedade do SUS de realizar a
cirurgia de mudança de sexo, pois em recurso interposto pela União foi
argumentado que esses procedimentos poderiam causar um rombo nos cofres
públicos.
DAS REPERCUSSÕES JURÍDICAS DA CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO
NO DIREITO PENAL
A cirurgia de mudança de sexo não constitui o crime de mutilação
tipificado no artigo 129 §2o inciso III do Código Penal pois o fim da
cirurgia é terapêutico. Não teria sentido, após anos de tratamento para o
diagnóstico do transexual, envolvendo toda uma equipe médica e
psicológica, que o médico fosse condenado pela realização da cirurgia.
Ademais, a conduta não está tipificada no Código Penal, e tampouco se
configura a culpabilidade do médico, visto que este objetiva única e
exclusivamente o bem-estar de seu paciente.
Ensina Elimar Szaniawski:
“A atividade médica tem sempre por escopo a conservação da vida e da
saúde do indivíduo mediante a cura das moléstias. Por isso, nas
atividades médicas curativas, está ausente o dolo na prática de lesões
corporais. Outrossim, a terapia cirúrgica, que visa à cura do doente,
mesmo que ocorram mutilações, não se enquadra no tipo lesão corporal,
descrito nos Códigos Penais.”
NO DIREITO CIVIL
Registro Civil
Segundo Maria de Fátima Freire de Sá, o pedido de alteração do
prenome do transexual após a cirurgia não possui fundamento legal,
havendo inúmeros julgados que negam provimento ao pedido de alteração do
registro, argumentando que há ainda prevalência do sexo biológico sobre
o psíquico, o que justifica aplicar o princípio da imutabilidade do
nome da pessoa.
Tal princípio, previsto no artigo 58 da Lei n.º 6.015/73, disciplina
que “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua
substituição por apelidos públicos notórios”.
Hoje, a doutrina e a jurisprudência não vêm utilizando como regra
absoluta o artigo 58 da Lei mencionada. Pelo contrário, é possível
perceber que os Tribunais brasileiros têm autorizado a alteração do
prenome no registro civil desde que a pessoa tenha se submetido à
cirurgia de mudança de sexo.
Os fundamentos jurídicos utilizados para sustentar a decisão de
permissão de mudança de prenome consistem no artigo 3.º, inciso IV, da
Constituição Federal[1]e nos artigos 4.º e 5.º[2]
da Lei de Introdução ao Código Civil. Além disso, Maria de Fátima
Freire de Sá afirma que a jurisprudência e os doutrinadores que são
favoráveis à alteração do prenome nos registros públicos adotam também
os seguintes argumentos:
1) o artigo 1º, III, da Constituição Federal, estabelece a dignidade
humana como um dos fundamentos da República. Assim, este dispositivo
assegura o livre desenvolvimento da personalidade, protegendo o direito à
cidadania e a posição do transexual como sujeito de direitos na
sociedade;
2) A cirurgia não possui caráter mutilador, mas sim corretivo;
3) Uma vez que o direito de dispor sobre o próprio corpo integra os
direitos da personalidade, o transexual tem o direito de buscar o livre
desenvolvimento de sua personalidade, através do seu equilíbrio
psicofísico que constitui um direito à saúde, também considerado direito
da personalidade.
Apesar disso, Maria Helena Diniz ressalta que “a jurisprudência
brasileira tem entendido que se deve permitir a alteração do prenome,
colocando-se no lugar reservado a sexo o termo ‘transexual’, por ser
esta a condição física e psíquica da pessoa, para garantir que outrem
não seja induzido em erro”.
Alguns doutrinadores não concordam com este entendimento, alegando
que deve ocorrer a alteração do prenome sem estabelecer nenhuma menção
discriminatória no documento de identidade, carteira de trabalho,
carteira de habilitação, etc., nem referência alguma, mesmo em averbação
sigilosa, no registro de nascimento. Isso porque afetaria a integração
social e afetiva do transexual e o impediria esquecer o estado sexual em
que se encontrava antes da cirurgia.
Casamento
Casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher,
legitimando-se por ele suas relações sexuais e que visa o auxílio mútuo
material e espiritual e o compromisso de criar e educar a prole de que
ambos nascer.
São condições indispensáveis à existência jurídica do casamento seja
contraído entre homem e mulher; celebração na forma prevista em lei; e
consentimento. A falta de qualquer um dos três requisitos faz com que o
casamento seja considerado inexistente.
Se uma pessoa que se submeteu à cirurgia e obteve a mudança de nome
no registro civil contrai matrimonio com cônjuge que não sabe da
condição de transexual daquele, poderá este pedir a anulação do
casamento por erro essencial sobre a pessoa, nos termos do artigo 1557
do Código Civil? Não, nesse caso, trata-se de casamento inexistente,
pois, nas palavras de Maria Helena Diniz “se a lei brasileira só permite
matrimonio entre pessoas de sexo oposto, logo, inadmissível seria a
união legalizada entre pessoas do mesmo sexo, ainda que uma delas tenha
se submetido à operação de conversão sexual”.
O Ministério Público, na apelação n° 43925743, interposta perante o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pediu a reforma parcial da
sentença que deferiu a mudança do nome de um transexual operado e
determinou a alteração, no registro de nascimento do autor, do sexo
masculino para o feminino. Recorreu o MP sob o argumento de que esta
última medida ameaça a integridade do permissivo constitucional ao
casamento e união estável, bem como do principio da dignidade humana,
pois o artigo 226, §§ 3o e 5o da Constituição Brasileira[3] impedem o casamento e a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Filiação
Entende-se que a mudança do sexo do transexual no registro civil não
acarreta modificação na relação filial já existente. Ademais, a
redesignação de um dos genitores não deve constar na documentação
pertencente ao filho.
Segundo Antônio Chaves, a questão da herança não suscita grandes
problemas para o transexual, uma vez que comprovada sua filiação, terá
direito à legítima, tanto no caso de o ascendente ter falecido ab intestato ou não.
Atualmente, tem ocorrido o depósito de sêmen e óvulos por transexuais
em clínicas especializadas, para, posteriormente, utilizar-se deste
material genético para a procriação artificial. Eles também podem se
valer da adoção. Em qualquer dos casos, os filhos terão assegurados seus
direitos referentes à filiação constitucionalmente garantidos.
CONCLUSÃO
A definição do sexo deve considerar inúmeros fatores, e não somente o
sexo biológico, evoluindo para a compreensão e acolhimento de fenômenos
sexuais como o transexualismo.
No campo do Direito, deve-se editar regulamentação específica, que
trate das questões pertinentes ao transexualismo, como, por exemplo, a
retificação do registro civil e o sigilo quanto ao estado sexual
anterior, conferindo segurança jurídica a estes indivíduos, posto que
após a conformação do sexo biológico ao psíquico, a imutabilidade do seu
registro civil pode lhe causar constrangimentos sociais e, mesmo,
impedimentos jurídicos, como, por exemplo, ao casamento.
E, por fim, têm-se as famílias desses indivíduos e a sociedade, cujos
papéis são fundamentais, para que os indivíduos acometidos pelo
transexualismo não sejam prejudicados pela insensatez daqueles que, por
ignorância, o repelem.
Não se pode permitir que o desconhecimento justifique o preconceito e
a discriminação, que aumentam o sofrimento psíquico do transexual e
dificultam seu tratamento e sua vida.