Este Blog foi escrito para o Público LGBT de todas as idades que estão a pensar em assumir-se. Nós sabemos que tomar a decisão de se assumir pode ser assustadora e desgastante. É por estas razões e devido ao nosso trabalho na área de homossexuais que fizemos este Blog. Acreditamos que informação útil e as experiências de outras pessoas em assumirem-se podem preparar-te para algumas das consequências que podem resultar de te assumires perante a família e amigos. Blog que reúne as principais notícias sobre o público Gls Glbt Lgbt (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Tem por objetivo manter tal comunidade informada, para que usufruam de seus direitos, comemorem suas conquistas e lutem pela diminuição do preconceito. Deixe seu recado, mande suas fotos e videos poste no nosso blog Faça parte você também Participem deste blog, Mail sociedadelgbt@hotmail.com

sábado, 11 de agosto de 2012

Gays no Brasil vivem entre diversidade e violência

Um estrangeiro que começar uma visita ao Brasil pela praia de Ipanema vai confirmar em primeira mão a imagem que o país tem no exterior de grande abertura e diversidade em relação a atitudes sexuais.

Não há nudismo, mas os trajes de banho são conhecidos no mundo inteiro pelo tamanho reduzido, e casais do mesmo sexo têm seu lugar ao sol, sobretudo no trecho em frente à Rua Farme de Amoedo, onde as bandeiras arco-íris - o símbolo internacional do orgulho gay - tremulam contra o céu azul.


Mas a série de ataques de aparente motivação homofóbica que ganharam destaque na mídia no último ano chamaram a atenção para o fato de que o preconceito e a violência contra homossexuais coexiste com os aspectos associados à diversidade da cultura brasileira.


O relatório sobre violência homofóbica no Brasil - o primeiro do tipo na América Latina - divulgado recentemente pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos revela que os órgãos federais receberam em 2011 uma média de 19 denúncias por dia de discriminação ou violência contra homossexuais.


"Não é um país tão liberal como parece à primeira vista,", diz Miguel Macedo, presidente da ONG Diversidade Nacional, de Niterói (RJ). "Claro que é bom poder vir à praia com o namorado e ter esse tipo de liberdade, mas aí você vira uma esquina e pode levar uma 'lampadada' na cabeça", diz ele.


A "lampadada" de que ele fala é uma referência a um ataque homofóbico ocorrido na Avenida Paulista, em São Paulo, em novembro do ano passado. A ação foi perpetrada por um grupo de cinco jovens de classe média contra pessoas que eles julgavam ser homossexuais.


As imagens - capturadas por câmeras de segurança - de um jovem arrebentando uma longa lâmpada fluorescente contra a cabeça de outro rapaz sem motivo aparente chocaram o país e chamaram a atenção para o tema da violência homofóbica.


Outro caso que virou notícia (em julho deste ano) foi o dos dois irmãos gêmeos da cidade de Camaçari (BA) atacados por um grupo de oito homens que os confundiram com um casal homossexual, porque estavam abraçados. Um dos irmãos morreu por conta dos ferimentos e outro foi levado para o hospital com afundamento na face.


Alvos fáceis


"Os homossexuais brasileiros vêm se sentindo mais livres para revelar à sociedade sua orientação sexual e isso os torna alvos mais fáceis da homofobia", diz a professora do departamento de medicina social da Santa Casa Hospital Universitário, Maria Amélia Veras. "Não acho que a homofobia esteja necessariamente crescendo, mas acho que vem se tornando mais visível."


A médica foi uma das coordenadoras de um estudo realizado com "homens que fazem sexo com homens", no centro de São Paulo - particularmente em áreas de prostituição masculina. O objetivo principal da pesquisa era descobrir mais sobre a propagação do vírus HIV entre o grupo, mas os pesquisadores decidiram incluir algumas perguntas para avaliar o nível de homofobia de que essas pessoas são vítimas.


"Cerca de 70% dos entrevistados relataram ter sido vítimas de algum tipo de preconceito ou estigmatização. E, pior ainda, 35% relataram a discriminação na escola e cerca de 20% se sentiram discriminados pela polícia", acrescenta Veras.


Para lideranças gays brasileiras, uma das prioridades agora é a aprovação do Projeto de Lei 122 (PLC122), que define homofobia como um crime, como já é o caso da discriminação por motivos de cor raça, etnia, nacionalidade ou religião.


O projeto foi aprovado em primeira votação na Câmara dos Deputados em 2006, mas está parado na comissão de Constituição e Justiça do Senado desde então - enfrentando forte resistência da bancada conservadora.


Opositores


"A aprovação do PL122 na Câmara dos Deputados só aconteceu por uma fraude. O projeto entrou na pauta de votação numa quinta-feira no fim do dia. E só vai conseguir ser aprovado no Senado se os homossexuais promoverem outra fraude", diz o deputado federal e capitão reformado Jair Bolsonaro, o mais virulento opositor das iniciativas relativas aos direitos dos homossexuais na política brasileira.


Bolsonaro diz que a legislação anti-homofobia transformaria gays e lésbicas no Brasil em uma "classe especial de cidadãos". "Por exemplo, se um comerciante não quiser vender algo a um cliente gay, porque ele tem nome sujo, a loja pode acabar denunciada por homofobia", diz o deputado.


Mas a mais forte resistência a leis ampliando os direitos da comunidade gay vem das igrejas conservadoras, sobretudo evangélicas e neopentecostais. "Este projeto de lei anti-homofobia é um atentado flagrante à liberdade de expressão", diz o pastor Silas Malafaia.


"Há uma diferença grande entre criticar um estilo de vida e praticar ou incentivar a violência", diz o pregador, que foi processado por ativistas gays por seus discursos, mas até agora conseguiu ganhar as causas.


Malafaia afirma que não há homofobia no Brasil e que tal ideia só foi criada porque "há muitos gays nos meios de comunicação e na cultura popular que querem alterar o comportamento das pessoas".


O desconforto que os homossexuais sentiam em igrejas tradicionais foi o motivo para que gays evangélicos fundassem, seis anos atrás, uma igreja "inclusiva" no Brasil.


Na Igreja Contemporânea, os cultos se parecem exatamente com o de outras igrejas evangélicas - com muitos cânticos e louvação exaltada - mas com a diferença de que a grande maioria dos frequentadores são gays.


"Igrejas evangélicas tradicionais dizem que estão lá para nos acolher, mas na verdade eles apenas olham de cima abaixo, nos julgam e agem de forma muito preconceituosa", diz o pastor Elias Barbosa. "É por isso que essa igreja foi criada: aqui nós homossexuais podemos louvar a Deus como somos, sem disfarces."

Desafiando preconceito, cresce número de igrejas inclusivas no Brasil

Encaradas pelas minorias como um refúgio para a livre prática da fé, as igrejas "inclusivas" - voltadas predominantemente para o público gay - vêm crescendo a um ritmo acelerado no Brasil, à revelia da oposição de alas religiosas mais conservadoras. Estimativas feitas por especialistas a pedido da BBC Brasil indicam que já existem pelo menos dez diferentes congregações de igrejas "gay-friendly" no Brasil, com mais de 40 missões e delegações espalhadas pelo país.

Culto de igreja LGBT no Rio de Janeiro

Concentradas, principalmente, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, elas somam em torno de 10 mil fiéis, ou 0,005% da população brasileira. A maioria dos membros (70%) é composta por homens, incluindo solteiros e casais, de diferentes níveis sociais.

O número ainda é baixo se comparado à quantidade de católicos e evangélicos, as duas principais religiões do país, que, em 2009, respondiam por 68,43% e 20,23% da população brasileira, respectivamente, segundo um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
O crescimento das igrejas inclusivas ganhou força com o surgimento de políticas de combate à homofobia, ao passo que o preconceito também diminuiu, alegam especialistas. Hoje, segundo o IBGE, há 60 mil casais homossexuais no Brasil. Para grupos militantes, o número de gays é estimado entre 6 a 10 milhões de pessoas.
Segundo a pesquisadora Fátima Weiss, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que mapeia o setor desde 2008, havia apenas uma única igreja inclusiva com sede fixa no Brasil dez anos atrás. "Com um discurso que prega a tolerância, essas igrejas permitem a manifestação da fé na tradição cristã independente da orientação sexual", disse Weiss à BBC Brasil.
O número de frequentadores dessas igrejas - que são abertas a fiéis de qualquer orientação sexual - acompanhou também a emancipação das congregações. Se, há dez anos, os fiéis totalizavam menos de 500 pessoas; hoje, já são quase 10 mil - número que, segundo os fundadores dessas igrejas, deve dobrar nos próximos cinco anos.



Resistência


As igrejas inclusivas ainda enfrentam forte resistência das comunidades católicas e evangélicas. Embora a maior parte delas siga a tradição cristã - pregando, inclusive, o celibato antes do casamento e a monogamia após o matrimônio - ainda não são reconhecidas oficialmente por nenhum desses dois grupos.
Não raro, em igrejas tradicionais, os homossexuais são obrigados a esconder sua opção sexual. Descobertos, acabam sendo expulsos - ou, eventualmente, submetidos a tratamentos de "conversão" para se tornarem heterossexuais.
"Segundo a Bíblia, homossexualidade é pecado. Na igreja evangélica, gay só entra caso queira se converter e, para isso, tem de se tornar heterossexual. É uma regra de Deus", disse à BBC Brasil Silas Malafaia, fundador de uma das principais igrejas evangélicas do Brasil, a Assembleia de Deus - Vitória em Cristo. "Tenho vários casos de ex-gays na minha igreja. Trata-se de um desvio de comportamento; afinal, gays têm a mesma ordem cromossômica que nós, heterossexuais. Depende deles, portanto, mudar sua opção sexual para serem aceitos na nossa comunidade", acrescenta.
A pernambucana Lanna Holder, de 37 anos, acreditava poder "curar" a atração que sentia por mulheres que, segundo ela, vinha "desde a infância". Usuária de drogas e alcoólatra, Lanna converteu-se a uma igreja evangélica aos 21 anos, passando a fazer pregações no interior do Brasil. "Enquanto todas as meninas brincavam de boneca, eu soltava pipa e jogava futebol", lembra ela à BBC Brasil.
Lanna tornou-se uma das principais pregadoras da igreja Assembleia de Deus, a mais importante do ramo pentecostal no Brasil. Casou-se aos 24 anos e, dois anos depois, teve um filho. Mas durante uma viagem aos Estados Unidos em 2002, conheceu outra pregadora, Rosania Rocha, brasileira que cantava no coral de uma filial da igreja em Boston. Um ano depois, elas tiveram um caso amoroso às escondidas e acabaram expulsas da comunidade.
De volta ao Brasil em 2007, Lanna teve a ideia de criar uma igreja voltada predominantemente para homossexuais que, como ela, não ganharam acolhida em outra vertente religiosa. Ela montou a "Comunidade Cidade Refúgio", no centro de São Paulo.
De reuniões pequenas, com apenas 15 pessoas, a igreja possui hoje 300 fiéis e planeja abrir uma filial em Londrina, no Paraná, até o fim deste ano.
Origem
O embrião das igrejas inclusivas começou a surgir no Brasil na década de 90, em pequenas reuniões feitas normalmente sob sigilo. Nos Estados Unidos, entretanto, elas já existem há pelo menos quatro décadas, praticando o que chamam de "teologia inclusiva", com um discurso aberto à diversidade.
Um das pioneiras foi a Igreja da Comunidade Metropolitana (ou Metropolitan Church), a primeira a ter sede própria no Brasil, em 2002.Vivíamos escondidas até encontrar igreja que nos aceitasse', diz casal gay



Susane (sentada) e Noemi são casadas
e ministram curso para deficientes auditivos
em uma igreja LGBT em SP

Há seis anos, a piauiense Susane Borges, de 43 anos, participava da parada gay de São Paulo quando foi abordada por um fiel da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), de quem partiu um convite para visitar a sede da congregação, voltada para o público homossexual, no centro de São Paulo.
Criada na Igreja Católica, Susane temia participar de cultos tradicionais. Desde 2005 vivendo com a companheira, Noemi Miranda, de 51 anos, ela já não aguentava mais ser vítima de preconceito.
Há pouco mais de três anos, as duas foram obrigadas a mudar de endereço quando os vizinhos descobriram que elas mantinham um relacionamento amoroso. Susane, que era esteticista e mantinha sua clínica em casa, acabou perdendo todos os clientes.
Hoje, as duas frequentam a ICM aos sábados e aos domingos. Na congregação, Susane cuida do ministério dos surdos, ajudando pessoas que, como sua companheira, sofrem de deficiência auditiva.
"Aqui, me sinto em casa. Não sou vítima de preconceito e ainda posso fazer novas amizades com outros casais homossexuais", conta ela à BBC Brasil.
Namoro
Natural de Teresina, Susane vive em São Paulo desde os 26 anos. Acreditava que, na cidade, se sentiria "mais livre" para ter relacionamentos homossexuais.
Em 2005, conheceu Noemi em uma sala de bate-papo na internet voltada para gays. Pouco tempo depois, marcaram um encontro e estão juntas até hoje. Mas o começo do relacionamento foi "difícil". Ex-evangélica, Noemi, que havia sido casada com um homem por dois anos, já tinha um casal de filhos, Renato e Clarice, que, segundo ela, se espantaram quando souberam da orientação sexual da mãe.
Divorciada, Noemi levou as crianças para morar junto com Susane.
"No início, eles não entendiam muito bem, mas, pouco a pouco, perceberam que eu era mais feliz assim", afirma.
Hoje, Susane e Noemi vivem com o filho Renato, que está noivo. A filha, Clarice, que engravidou na adolescência, saiu de casa há duas semanas para morar com um novo companheiro.
"Costumo brincar que meu neto tem duas avós maravilhosas", completa Susane.

Fonte
: BBC BRASIL


Após tentar 'curar' homossexualidade, ex-evangélico cria igreja GLS


Fundador de uma igreja LGBT, Marcos Gladstone (à dir.) beija seu parceiro, Fábio Inácio

Convertido aos 14 anos a uma igreja evangélica, o carioca Marcos Gladstone, de 36 anos, hoje gay assumido, sempre acreditou que seria "recuperado" da atração que sentia por homens. Durante quatro anos, ficou noivo de uma mulher, mas pouco antes de se casar, decidiu revelar à família dela sobre sua orientação sexual.
"Não sentia amor pela minha noiva; apenas amizade. Quando disse à família dela que era gay, a fofoca se espalhou rapidamente. Ela chegou a ficar três dias sem comer", recorda.
Vítima de preconceito, Gladstone resolveu fundar em 2006, junto com seu parceiro, Fábio Inácio, de 31 anos, a "Igreja Cristã Contemporânea", pregando "um discurso de tolerância" e voltada predominantemente para o público gay.
No início, contavam apenas com cinco membros. Hoje, a igreja já tem 1,2 mil fiéis e seis filiais espalhadas pelo Brasil, além da sede no Rio de Janeiro.

Festas temáticas


Uma das formas encontradas pelas igrejas inclusivas para atrair novos fiéis e integrá-los aos membros antigos é promover festas temáticas. Na igreja 'Comunidade Cidade de Refúgio', fundada por Lanna Holder - ex-missionária da igreja evangélica Assembleia de Deus que acabou expulsa por ser lésbica - são comuns as baladas gospel, realizadas uma vez por mês.
Na festa, chamada de "EletroGospel", bebidas alcoólicas não são permitidas.
"O objetivo é que todos se divirtam com moderação. Somos cristãos e, portanto, contra qualquer promiscuidade", afirmou Lanna.
Já na 'Igreja Cristã Contemporânea', os fiéis são convidados a participar de retiros espirituais, que ocorrem durante o Carnaval.
Segundo Gladstone, a igreja recebe centenas de e-mails por dia de gays que têm medo de "sair do armário".
"Nosso trabalho é de aconselhamento. É muito importante que um jovem homossexual não se sinta sozinho mesmo quando a família não aceita sua orientação sexual."

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica

Ganha corpo um novo tipo de família:
a composta de homossexuais
assumidos,
que são pais por adoção,
inseminação e até mesmo pelo método
biológico tradicional

  

O diálogo a seguir se deu meses atrás, num barzinho paulistano, entre Marina, de 16 anos, e Ricardo, de 21.
Marina: O que você faria se eu dissesse que já beijei uma mulher?
Ricardo: Continuaria a te amar do mesmo jeito. Mas por que isso agora?
Marina: Nada, não é nada... Não estou falando de mim.
Mais segura depois dessa resposta, ela lhe entrega um bilhete, com uma frase incisiva: "Minha mãe namora uma mulher". Diante da expressão de surpresa do rapaz, ela explica: "Ainda é difícil para mim falar sobre isso". Ricardo, então, a abraça e eles não demoram a mudar de assunto. O namoro continua firme até hoje.
Marina pertence a um grupo que já se apresenta encorpado o suficiente para chamar a atenção dos estudiosos de questões comportamentais – o das famílias compostas de pais gays ou mães lésbicas (assumidos, bem entendido). As configurações, aqui, são de três tipos. Há os que "saíram do armário" depois de um casamento heterossexual e criam os rebentos do relacionamento anterior ao lado de seus novos companheiros. Existem os homossexuais (solteiros ou não) que adotam. E, por último, há as lésbicas que se submetem a inseminação artificial. Ninguém se preocupou ainda em medir o tamanho do fenômeno no Brasil, o que é quase um clichê. É possível, no entanto, que ele esteja próximo do patamar americano. Nos Estados Unidos, estima-se que 22% dos homossexuais assumidos tenham a guarda de crianças. Nas cidades mais liberais, como Nova York e San Francisco, são conhecidos pelo apelido carinhoso de "pink parents" (pais cor-de-rosa).
Esse gênero de arranjo familiar está menos incomum, mas não é fácil para os envolvidos expor-se em sociedade. Tanto que a maior parte dos entrevistados por VEJA só consentiu em falar se a revista usasse nomes fictícios e os fotografasse de forma a não ser reconhecidos. Ter pai gay ou mãe lésbica pode ser motivo de discriminação, velada ou não. É certo que, nos dias de hoje, conta a favor da aceitação o fato de o conceito de politicamente correto ter impregnado as relações sociais e, em latitudes mais ao norte, até mesmo a legislação, graças ao empenho dos ativistas. Na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, a lei já admite casais homossexuais, conferindo-lhes quase todos os direitos de que gozam os heterossexuais. Na Holanda, a equiparação é total – trata-se do único país do mundo em que dois homossexuais podem adotar uma criança, sem recorrer a subterfúgios. A certidão de nascimento sai com a filiação "mãe e mãe" ou "pai e pai". No Brasil, apesar das pressões para que seja reconhecida a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a lei ainda não ampara gays e lésbicas que dividem o mesmo teto por amor. E muito menos lhes dá o direito de adotar ou registrar em conjunto uma criança. Tal estado de coisas, evidentemente, só serve para reforçar o preconceito. O resultado é que, no mais das vezes, pequenos e adolescentes vêem-se obrigados a se comportar como se fossem cúmplices de um crime. O que é aberto dentro de casa se torna um segredo fora dela. Para amigos e colegas, a companheira da mãe vira "a prima da mamãe que mora em casa" e o do pai, "um tio que vive com ele".

Além de obstáculos nas relações sociais, não é raro que filhos de pais homossexuais enfrentem problemas de ordem emocional, principalmente quando se encontram na adolescência. Afinal de contas, esse é o período em que a sexualidade desabrocha e quando referências masculinas e femininas bem definidas ajudam a sedimentar a identidade de cada um. "É importante que pais homossexuais estejam cientes dessas questões e, se for preciso, não hesitem em procurar ajuda", recomenda a psicóloga Edwiges Ferreira Silvares, da Universidade de São Paulo. As situações mais delicadas são as que decorrem de um pai ou uma mãe que assume a homossexualidade após terminar um casamento heterossexual. Como é praxe a mulher permanecer com a guarda, há mais lésbicas morando com filhos do que gays. Por causa dessa proximidade, elas têm mais dificuldade em abrir o jogo. Mas os especialistas aconselham que, vivendo ou não ao lado dos filhos, pais e mães falem abertamente de sua orientação sexual – sem entrar em minúcias, é claro, assim como heterossexuais também não devem descrever o que fazem na cama. Quanto mais cedo a criança souber, mais fácil será para ela assimilar a notícia e encarar as manifestações preconceituosas.
Trata-se de uma reviravolta na psicologia. Até pouco tempo atrás, a maioria dos profissionais dessa área recomendava que se escondesse tudo dos pequenos. Por causa disso, um sem-número de crianças e jovens teve seus traumas amplificados. O depoimento da bióloga Regina, hoje com 26 anos, é exemplar de como é um erro tentar ocultar o que não pode ser ocultado: 
 "Meus pais se separaram quando eu tinha 1 ano. No momento em que meu pai resolveu assumir sua orientação sexual, ele e minha mãe buscaram a ajuda de psicólogos. Esses profissionais disseram a eles que não contassem nada a mim nem à minha irmã, até que fôssemos adolescentes. Morávamos numa cidade do interior paulista, onde todos se conheciam. Resultado: ficamos sabendo por outras pessoas. Eu tinha 11 anos nessa época. Minha primeira reação foi culpar minha mãe por não ter me dito antes. Me tornei uma verdadeira 'aborrecente'. Nunca mais quis ter contato com meu pai, que se mudara para outro Estado. Me recusava a receber as suas cartas e a atender os telefonemas dele. Tive de mudar de escola por causa de uma garota que vivia gritando 'Seu pai é gay!'. Quando comecei a namorar, achava que todos os meus namorados eram gays. Cheguei a questionar a minha própria sexualidade. A orientação sexual de meu pai era um segredo que eu levava anos para contar a meus namorados. Era um segredo meu, só meu. Fiz três anos de análise e acho que isso salvou a minha vida. Consegui respeitar meu pai e até me orgulhar dele quando fiz 18 anos. Hoje sei que cada um é feliz à sua maneira". 

Gays e lésbicas que decidem pela adoção ou pela inseminação não têm como esconder a verdade e revelam logo a natureza de seus relacionamentos amorosos. Os problemas começam a surgir quando a criança entra na escola. Há pais que evitam que seus filhos freqüentem a casa do colega que tem uma família "alternativa" – como se a homossexualidade fosse uma doença, e doença contagiosa. Quando ficam maiores, as crianças oriundas desses lares não raro se tornam alvo de chacota ou de xingamentos. Francisco Ribeiro Eller, de 7 anos, filho da cantora Cássia Eller, lésbica assumidíssima, volta e meia chega com uma história chata. "Eu e minha companheira, Maria Eugênia, conversamos muito com o Chicão sobre isso e achamos que ele segura bem a onda. Quando acontece de na escola alguém gritar: 'Sua mãe é sapatão!', ele responde: 'E daí?'. Acho que o amor supera essas coisas", diz Cássia.
É bom frisar que ninguém se torna homossexual simplesmente porque visita de vez em quando a casa do filho de um gay ou de uma lésbica. Embora as referências externas sejam importantes, o desenvolvimento da sexualidade está muito mais ligado ao psiquismo de cada um – um aspecto incontrolável. Esse é um ponto de partida para os educadores na hora de enfrentar as perguntas de pais preocupados com o fato de o amiguinho do filho ter dois pais ou duas mães. Outro ponto que costuma ser levantado em tais ocasiões são os riscos embutidos no contato com um suposto "estilo de vida homossexual". Ocorre que gays e lésbicas que se propõem a educar um filho levam um cotidiano tão estável e respeitável quanto o de qualquer casal conservador. "Do contrário, por que constituiriam uma família?", argumenta o psicólogo Antonio Carlos Egypto.
A lei brasileira permite que homens e mulheres solteiros adotem crianças, sem fazer referência à sua orientação sexual. É nesse vácuo que gays e lésbicas conseguem um filho. Os empresários paulistas Renato e Marcos vivem juntos há dezessete anos. Quando sua união completou quatro, eles decidiram adotar um bebê. Renato, então, tornou-se pai de Débora, hoje com 13 anos. Depois foi a vez de Marcos adotar Lara, atualmente com 7. Cada menina tem um sobrenome e, perante a lei, não teria direito à herança do pai legal da outra. O casal contornou esse entrave, colocando todos os bens da família em nome dos dois. "Ao não reconhecer a união civil de homossexuais, a legislação brasileira cria esse tipo de imbróglio", constata a advogada Ana Elisa Lolli, especialista em causas que envolvem homossexuais.
Os desvãos da lei acabaram por semear uma batalha entre as correntes moderna e conservadora da Justiça. Alguns juízes consideram a adoção de uma criança por gay ou lésbica uma espécie de atentado à integridade moral do menor. É um julgamento sem fundamento na realidade. Não há nenhum estudo sério que prove ou mesmo insinue que filhos de homossexuais, biológicos ou não, estejam mais predispostos a se tornar adultos perturbados. Na mão oposta, cresce o número de juízes, promotores e assistentes sociais que partem do princípio de que homossexuais bem posicionados social e financeiramente estão aptos a criar um filho. "É 200.000 vezes melhor uma criança amada por um pai gay do que vivendo na melhor instituição ou abrigo do Estado", defende o juiz Siro Darlan, da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. Desde 1998, ele já concedeu oito guardas de crianças a homossexuais solteiros.
Ao contrário da maioria dos casais heterossexuais de classe média, que preferem adotar recém-nascidos brancos e absolutamente saudáveis, gays e lésbicas não fazem restrição alguma a cor, idade ou estado de saúde. Sabem como ninguém o que é ser vítima de exclusão e preconceito. Há quatro anos, o professor carioca Angelo B. Pereira adotou P.P. O menino chegou a sua nova casa com sarna, vermes, feridas pelo corpo e uma diarréia que durou quatro meses. Hoje, P.P. freqüenta uma ótima escola, é cercado de atenção e mimos e, acima de tudo, é amado pelo pai. "Paternidade não tem nada a ver com orientação sexual", diz Angelo, autor de um livro sobre o assunto, Estreitos Nós, ainda sem editora. Ele foi um dos primeiros brasileiros a conseguir adotar uma criança declarando sua homossexualidade ao juiz. Para tanto, passou por uma análise criteriosa feita por assistentes sociais e só recebeu a sentença favorável após a Justiça verificar que ele preenchia uma série de requisitos necessários para o sustento e a educação de P.P.
O amor supera tudo, diz Cássia Eller. Supera mesmo. Basta acompanhar a rotina doméstica dos empresários Renato e Marcos, os pais de Débora e Lara. Eles podem ser tão "caretas" e protetores quanto um casal heterossexual. E se recusam a dividir papéis: nenhum dos dois finge ser mãe. Ambos são paizões, que impõem regras e sustentam discussões acirradas em torno de horários e cumprimento de deveres. "Sempre lembramos a Débora: você é uma das primeiras filhas de pais gays. É uma responsabilidade grande para você também", ressaltam. Débora, Lara, Marcos e Renato são o retrato de uma família feliz e só um pouquinho diferente. 



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