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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica

Ganha corpo um novo tipo de família:
a composta de homossexuais
assumidos,
que são pais por adoção,
inseminação e até mesmo pelo método
biológico tradicional

  

O diálogo a seguir se deu meses atrás, num barzinho paulistano, entre Marina, de 16 anos, e Ricardo, de 21.
Marina: O que você faria se eu dissesse que já beijei uma mulher?
Ricardo: Continuaria a te amar do mesmo jeito. Mas por que isso agora?
Marina: Nada, não é nada... Não estou falando de mim.
Mais segura depois dessa resposta, ela lhe entrega um bilhete, com uma frase incisiva: "Minha mãe namora uma mulher". Diante da expressão de surpresa do rapaz, ela explica: "Ainda é difícil para mim falar sobre isso". Ricardo, então, a abraça e eles não demoram a mudar de assunto. O namoro continua firme até hoje.
Marina pertence a um grupo que já se apresenta encorpado o suficiente para chamar a atenção dos estudiosos de questões comportamentais – o das famílias compostas de pais gays ou mães lésbicas (assumidos, bem entendido). As configurações, aqui, são de três tipos. Há os que "saíram do armário" depois de um casamento heterossexual e criam os rebentos do relacionamento anterior ao lado de seus novos companheiros. Existem os homossexuais (solteiros ou não) que adotam. E, por último, há as lésbicas que se submetem a inseminação artificial. Ninguém se preocupou ainda em medir o tamanho do fenômeno no Brasil, o que é quase um clichê. É possível, no entanto, que ele esteja próximo do patamar americano. Nos Estados Unidos, estima-se que 22% dos homossexuais assumidos tenham a guarda de crianças. Nas cidades mais liberais, como Nova York e San Francisco, são conhecidos pelo apelido carinhoso de "pink parents" (pais cor-de-rosa).
Esse gênero de arranjo familiar está menos incomum, mas não é fácil para os envolvidos expor-se em sociedade. Tanto que a maior parte dos entrevistados por VEJA só consentiu em falar se a revista usasse nomes fictícios e os fotografasse de forma a não ser reconhecidos. Ter pai gay ou mãe lésbica pode ser motivo de discriminação, velada ou não. É certo que, nos dias de hoje, conta a favor da aceitação o fato de o conceito de politicamente correto ter impregnado as relações sociais e, em latitudes mais ao norte, até mesmo a legislação, graças ao empenho dos ativistas. Na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, a lei já admite casais homossexuais, conferindo-lhes quase todos os direitos de que gozam os heterossexuais. Na Holanda, a equiparação é total – trata-se do único país do mundo em que dois homossexuais podem adotar uma criança, sem recorrer a subterfúgios. A certidão de nascimento sai com a filiação "mãe e mãe" ou "pai e pai". No Brasil, apesar das pressões para que seja reconhecida a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a lei ainda não ampara gays e lésbicas que dividem o mesmo teto por amor. E muito menos lhes dá o direito de adotar ou registrar em conjunto uma criança. Tal estado de coisas, evidentemente, só serve para reforçar o preconceito. O resultado é que, no mais das vezes, pequenos e adolescentes vêem-se obrigados a se comportar como se fossem cúmplices de um crime. O que é aberto dentro de casa se torna um segredo fora dela. Para amigos e colegas, a companheira da mãe vira "a prima da mamãe que mora em casa" e o do pai, "um tio que vive com ele".

Além de obstáculos nas relações sociais, não é raro que filhos de pais homossexuais enfrentem problemas de ordem emocional, principalmente quando se encontram na adolescência. Afinal de contas, esse é o período em que a sexualidade desabrocha e quando referências masculinas e femininas bem definidas ajudam a sedimentar a identidade de cada um. "É importante que pais homossexuais estejam cientes dessas questões e, se for preciso, não hesitem em procurar ajuda", recomenda a psicóloga Edwiges Ferreira Silvares, da Universidade de São Paulo. As situações mais delicadas são as que decorrem de um pai ou uma mãe que assume a homossexualidade após terminar um casamento heterossexual. Como é praxe a mulher permanecer com a guarda, há mais lésbicas morando com filhos do que gays. Por causa dessa proximidade, elas têm mais dificuldade em abrir o jogo. Mas os especialistas aconselham que, vivendo ou não ao lado dos filhos, pais e mães falem abertamente de sua orientação sexual – sem entrar em minúcias, é claro, assim como heterossexuais também não devem descrever o que fazem na cama. Quanto mais cedo a criança souber, mais fácil será para ela assimilar a notícia e encarar as manifestações preconceituosas.
Trata-se de uma reviravolta na psicologia. Até pouco tempo atrás, a maioria dos profissionais dessa área recomendava que se escondesse tudo dos pequenos. Por causa disso, um sem-número de crianças e jovens teve seus traumas amplificados. O depoimento da bióloga Regina, hoje com 26 anos, é exemplar de como é um erro tentar ocultar o que não pode ser ocultado: 
 "Meus pais se separaram quando eu tinha 1 ano. No momento em que meu pai resolveu assumir sua orientação sexual, ele e minha mãe buscaram a ajuda de psicólogos. Esses profissionais disseram a eles que não contassem nada a mim nem à minha irmã, até que fôssemos adolescentes. Morávamos numa cidade do interior paulista, onde todos se conheciam. Resultado: ficamos sabendo por outras pessoas. Eu tinha 11 anos nessa época. Minha primeira reação foi culpar minha mãe por não ter me dito antes. Me tornei uma verdadeira 'aborrecente'. Nunca mais quis ter contato com meu pai, que se mudara para outro Estado. Me recusava a receber as suas cartas e a atender os telefonemas dele. Tive de mudar de escola por causa de uma garota que vivia gritando 'Seu pai é gay!'. Quando comecei a namorar, achava que todos os meus namorados eram gays. Cheguei a questionar a minha própria sexualidade. A orientação sexual de meu pai era um segredo que eu levava anos para contar a meus namorados. Era um segredo meu, só meu. Fiz três anos de análise e acho que isso salvou a minha vida. Consegui respeitar meu pai e até me orgulhar dele quando fiz 18 anos. Hoje sei que cada um é feliz à sua maneira". 

Gays e lésbicas que decidem pela adoção ou pela inseminação não têm como esconder a verdade e revelam logo a natureza de seus relacionamentos amorosos. Os problemas começam a surgir quando a criança entra na escola. Há pais que evitam que seus filhos freqüentem a casa do colega que tem uma família "alternativa" – como se a homossexualidade fosse uma doença, e doença contagiosa. Quando ficam maiores, as crianças oriundas desses lares não raro se tornam alvo de chacota ou de xingamentos. Francisco Ribeiro Eller, de 7 anos, filho da cantora Cássia Eller, lésbica assumidíssima, volta e meia chega com uma história chata. "Eu e minha companheira, Maria Eugênia, conversamos muito com o Chicão sobre isso e achamos que ele segura bem a onda. Quando acontece de na escola alguém gritar: 'Sua mãe é sapatão!', ele responde: 'E daí?'. Acho que o amor supera essas coisas", diz Cássia.
É bom frisar que ninguém se torna homossexual simplesmente porque visita de vez em quando a casa do filho de um gay ou de uma lésbica. Embora as referências externas sejam importantes, o desenvolvimento da sexualidade está muito mais ligado ao psiquismo de cada um – um aspecto incontrolável. Esse é um ponto de partida para os educadores na hora de enfrentar as perguntas de pais preocupados com o fato de o amiguinho do filho ter dois pais ou duas mães. Outro ponto que costuma ser levantado em tais ocasiões são os riscos embutidos no contato com um suposto "estilo de vida homossexual". Ocorre que gays e lésbicas que se propõem a educar um filho levam um cotidiano tão estável e respeitável quanto o de qualquer casal conservador. "Do contrário, por que constituiriam uma família?", argumenta o psicólogo Antonio Carlos Egypto.
A lei brasileira permite que homens e mulheres solteiros adotem crianças, sem fazer referência à sua orientação sexual. É nesse vácuo que gays e lésbicas conseguem um filho. Os empresários paulistas Renato e Marcos vivem juntos há dezessete anos. Quando sua união completou quatro, eles decidiram adotar um bebê. Renato, então, tornou-se pai de Débora, hoje com 13 anos. Depois foi a vez de Marcos adotar Lara, atualmente com 7. Cada menina tem um sobrenome e, perante a lei, não teria direito à herança do pai legal da outra. O casal contornou esse entrave, colocando todos os bens da família em nome dos dois. "Ao não reconhecer a união civil de homossexuais, a legislação brasileira cria esse tipo de imbróglio", constata a advogada Ana Elisa Lolli, especialista em causas que envolvem homossexuais.
Os desvãos da lei acabaram por semear uma batalha entre as correntes moderna e conservadora da Justiça. Alguns juízes consideram a adoção de uma criança por gay ou lésbica uma espécie de atentado à integridade moral do menor. É um julgamento sem fundamento na realidade. Não há nenhum estudo sério que prove ou mesmo insinue que filhos de homossexuais, biológicos ou não, estejam mais predispostos a se tornar adultos perturbados. Na mão oposta, cresce o número de juízes, promotores e assistentes sociais que partem do princípio de que homossexuais bem posicionados social e financeiramente estão aptos a criar um filho. "É 200.000 vezes melhor uma criança amada por um pai gay do que vivendo na melhor instituição ou abrigo do Estado", defende o juiz Siro Darlan, da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. Desde 1998, ele já concedeu oito guardas de crianças a homossexuais solteiros.
Ao contrário da maioria dos casais heterossexuais de classe média, que preferem adotar recém-nascidos brancos e absolutamente saudáveis, gays e lésbicas não fazem restrição alguma a cor, idade ou estado de saúde. Sabem como ninguém o que é ser vítima de exclusão e preconceito. Há quatro anos, o professor carioca Angelo B. Pereira adotou P.P. O menino chegou a sua nova casa com sarna, vermes, feridas pelo corpo e uma diarréia que durou quatro meses. Hoje, P.P. freqüenta uma ótima escola, é cercado de atenção e mimos e, acima de tudo, é amado pelo pai. "Paternidade não tem nada a ver com orientação sexual", diz Angelo, autor de um livro sobre o assunto, Estreitos Nós, ainda sem editora. Ele foi um dos primeiros brasileiros a conseguir adotar uma criança declarando sua homossexualidade ao juiz. Para tanto, passou por uma análise criteriosa feita por assistentes sociais e só recebeu a sentença favorável após a Justiça verificar que ele preenchia uma série de requisitos necessários para o sustento e a educação de P.P.
O amor supera tudo, diz Cássia Eller. Supera mesmo. Basta acompanhar a rotina doméstica dos empresários Renato e Marcos, os pais de Débora e Lara. Eles podem ser tão "caretas" e protetores quanto um casal heterossexual. E se recusam a dividir papéis: nenhum dos dois finge ser mãe. Ambos são paizões, que impõem regras e sustentam discussões acirradas em torno de horários e cumprimento de deveres. "Sempre lembramos a Débora: você é uma das primeiras filhas de pais gays. É uma responsabilidade grande para você também", ressaltam. Débora, Lara, Marcos e Renato são o retrato de uma família feliz e só um pouquinho diferente. 



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