Entrevista a Rubén Noé , primeiro transexual que engravidou de gémeos
O transexual que andou na «boca» dos
espanhóis por ter sido o primeiro no mundo a engravidar de gémeos. Rubén
Noé Coronado não vê porque não há-de aproveitar o que a natureza lhe
deu e que ele ainda mantém: trompas, útero e ovários (e vagina), que só
extrairá do seu corpo quando conseguir ter o filho ou filha que quer.
Tentou uma vez, por inseminação artificial (IA), sem sucesso. O aborto
aconteceu às 17 semanas de gestação, em Março passado. Eram gémeos, não
sabe de que sexo. Recomposto da perda, está a tentar uma nova gravidez
por IA, na mesma clínica, em Barcelona, a única que o aceitou - foi a 15
e enviou emails a todas as 155 de Madrid, a maioria recusou-o e muitas
ignoraram-no, nem se deram ao trabalho de lhe responder. Isto, apesar de
em Espanha a lei que regulamenta as técnicas de procriação medicamente
assistida permitir que pessoas como Rubén acedam à inseminação
artificial.
A sua decisão gerou imensas rejeições. Muitas pessoas dizem que com a
gravidez o que procura é a fama e ser notícia na imprensa...
As pessoas podem dizer o que quiserem. Sei o que desejo, o meu objectivo
está muito bem definido. Sejam quais forem as críticas que me fazem,
positivas ou negativas, a minha consciência está tranquila. Não faço
caso do que dizem, senão ia-me abaixo.
Como é que consegue não fazer caso dos insultos?
Há muitas maneiras de reagir às situações. Tento defender-me, não
fazendo caso. Sei que não posso viver numa redoma, por isso aprendi a
viver em sociedade, a dar-me com todo o tipo de pessoas, o que inclui,
naturalmente, sobreviver às rejeições. Comecei a interiorizar isso
quando iniciei o meu processo de mudança de sexo. A transexualidade
ensinou-me que não posso ser aquilo que as pessoas esperam que eu seja,
ensinou-me que o mais importante é aquilo que eu quero, o que quero
alcançar, onde quero chegar e que tenho de percorrer esse caminho, com
ou sem ajuda. Cada um de nós tem de tomar as suas próprias decisões, o
que exige estarmos preparados para as consequências. As pessoas dizem-me
coisas muitos insultuosas, é verdade, enviam-me emails, escrevem
comentários no meu blogue sob a capa do anonimato...
Estive a ver o seu blogue. Não fala da transexualidade nem da gravidez, apenas dos seus animais...
Ultimamente não, porque agora quero estar mais tranquilo. Estou a
preparar-me para fazer outra vez a inseminação artificial e penso que
serei mais bem sucedido se estiver sossegado, sem perturbações. Embora
eu tente passar por cima das coisas desagradáveis que dizem, não me são
totalmente indiferentes, mexem-me um pouco com os nervos.
Sente que deve dar explicações ao mundo?
Sobre a minha transexualidade e a minha vontade de engravidar, não, não
acho que deva explicações a ninguém. Em todo o caso reconheço que tanto
uma como outra são questões sensíveis, talvez por serem ainda
invulgares.
Na rua também o insultam?
Na rua os comentários são geralmente positivos. De pessoas que dizem
admirar a minha determinação e coragem. Sabe, há muita falta de
frontalidade, quem diz mal não mostra a cara, não diz o nome, e quem
ofende menos ainda. Os comentários negativos são quase sempre anónimos.
Estava de dezassete semanas quando abortou. Por algum problema específico?
Não. Tenho epilepsia que, como deve saber, faz com que a minha fosse uma
gravidez de risco, mas não foi a causa do aborto. O problema residiu no
facto de serem dois bebés e eu não ter espaço suficiente na minha
barriga para eles se desenvolverem. O meu médico explicou-me que isso
sucede em certos casos de gravidezes gemelares, a barriga não se
expande, provocando asfixia nos fetos e em consequência o aborto. Foi um
aborto natural.
Conhecia o sexo dos bebés?
Não. A imprensa espanhola especulou muito, houve quem dissesse que eram rapazes, mas na verdade nunca o soubemos.
Tem preferência?
Não. Também se especulou muito sobre isso, que eu preferia meninos e a
minha namorada meninas. Não é verdade. A mim, a nós, tanto faz. Quero é
ser pai, esse é o meu objectivo. Esperanza já tem dois adolescentes
rapazes, o mais pequeno tem 14 anos e o mais velho 16. Não vivem
connosco, por isso não temos essa experiência de criar filhos juntos.
Seria «pai» nesta altura, se não tivesse abortado?
Sim, a esta hora estaria com os dois ao colo [longa pausa]. O parto estava previsto para finais de Setembro.
Como reagiu ao aborto?
[Suspende a respiração] Mal, muito mal. Tive que fazer terapia para
ultrapassar a situação. Não foi bem uma sensação de perda o que senti,
porque a minha barriga não chegou a ficar grande ao ponto de se notar
que algo estava a crescer lá dentro, foi mais a angústia de me
confrontar com o adiamento de ser pai, um desejo muito forte em mim. Não
sei, não sei definir o que senti. A clínica ajudou-me muito nessa fase,
disponibilizou-me uma equipa multidisciplinar composta por um
ginecologista, um endocrinologista, um psicólogo e um psiquiatra, que me
acompanham ainda hoje. Aliás, é também com base na opinião destes
especialistas sobre a minha condição física e psicológica que se
«decidiu» se estaria ou não preparado para me submeter a mais um
processo de inseminação artificial.
E está?
Sim, e já estou a tentar engravidar outra vez. Quando é que sai esta
entrevista em Portugal? Dezembro. Se calhar, nessa altura já estarei
grávido outra vez [Rubén prometeu que nos informaria, mas até ao fecho
desta edição não recebemos notícias]. Os meus médicos dizem que estou
preparado, que não é nada do outro mundo. Da primeira vez não usei
medicação, e desta também não. Estou a tentar engravidar da forma mais
natural possível, à excepção, claro, do facto de me introduzirem o
esperma no meu aparelho reprodutor. Tudo o resto é natural, não é por
acção de medicamentos. Não há estimulação da ovulação através de
fármacos.
Onde arranjou o esperma? Há quem o compre na internet...
Na internet? [mostra-se surpreso] Não, não. Recorri a um banco, é de um dador anónimo.
Prefere não tomar medicamentos porquê, se a probabilidade de engravidar é maior?
Eu não sou infértil, não preciso de fazer estimulação da ovulação. Está
tudo bem comigo, eu posso engravidar, tenho ovulação desde que parei de
tomar hormonas, a testosterona. É por isso que prefiro que seja tudo o
mais natural possível. Mais natural do que isto só se dormisse com um
homem. Mas não quero deitar-me com um homem para engravidar, para mim é
muito difícil «fazê-lo» com um homem. Além disso, quero evitar as
complicações legais que poderiam surgir caso esse homem viesse mais
tarde reclamar o direito de paternidade ou a custódia da criança. Essas
«coisas» dão sempre problemas. Mais: por ser uma gravidez mediática, o
«pai» poderia eventualmente aproveitar-se e querer retirar dividendos da
situação. Não. A opção mais viável foi recorrer a uma clínica de
reprodução medicamente assistida. Faço a inseminação com sémen
proveniente de um banco de esperma, e pronto, é simples.
Sempre desejou ter filhos ou só pensou neles depois de conhecer Esperanza?
Sempre foi um desejo, nunca quis abdicar da possibilidade de ser pai.
Pai?
Sim, pai. Sou um homem. Um dos momentos mais difíceis dos transexuais
masculinos é aquele em que temos que decidir se queremos ser estéreis ou
não. A tendência nos transexuais tem sido a de retirar os órgãos
reprodutores, mas eu decidi adiar essa cirurgia precisamente porque
pensava que se um dia quisesse ser pai poderia sê-lo. Por que havia de
tirar o meu útero, os meus ovários, as trompas se queria ter filhos? Por
ser transexual? Por querer ser homem? Por ser homem? Um dia irei
retirá-los, sim, mas só quando tiver um filho ou filha. Além disso, o
meu endocrinologista disse-me que eu podia interromper o processo de
esterilização e adiar a cirurgia de redesignação do sexo. Quando conheci
Esperanza, a minha companheira, muitas coisas vieram-me à cabeça, entre
elas o facto de Esperanza ter dois filhos já crescidos - o mais novo,
Pablo, tem sindroma de Asperger e por esse motivo está num centro
hospitalar. O mais velho optou por viver com o pai em Málaga, é lá que
estuda, é lá que tem os amigos. Nós gostávamos de ter juntos a
experiência de ter um filho, como qualquer casal. Basicamente o que
queremos com a minha gravidez é isso.
Esperanza não pode engravidar?
Seria demasiado arriscado. Esperanza padece de retinopatia pigmentária,
não pode fazer esforços, e com o esforço do parto poderia cegar.
Adoptar não é uma possibilidade?
Considero-me qualificado para criar um bebé. Não me considero capacitado
para criar um menino adoptado, que já tem uma bagagem pesada cheia de
problemas, traumas. Sei como é, também fui adoptado. Sabe, quando se é
adoptado não existe essa coisa de perguntar «quem sou? de onde sou?,
para onde vou?» e isso é terrível para uma criança, não saber nada ou
saber muito pouco da sua vida, do seu passado, dos seus pais. Adoptar
está fora de questão. Um filho nosso, à partida, não desenvolverá o tipo
de traumas de um menino adoptado.
Não desenvolverá outros? Não o preocupa os eventuais problemas que a
criança possa ter quando souber que o pai afinal é a mãe biológica?
Por essa razão não vejo por que terá problemas. Em todo o caso, penso
que são situações incomparáveis, a de um menino nascido e criado no seio
de uma família atípica e a de um menino adoptado. Tenho para mim que os
traumas das crianças adoptadas estão muito associados ao
desconhecimento da realidade, não encontram resposta para as perguntas
que têm na cabeça. Qualquer tipo de trauma, seja ele qual for, deve-se
em grande medida ao desconhecimento de uma parte da verdade. Isso não
acontecerá com o meu filho, ele vai saber de tudo na altura certa, à
medida que for crescendo e for capaz de compreender. Independentemente
de uma criança ser filha de um casal homossexual, de um casal de
lésbicas, de uma mãe solteira ou de um casal atípico, como eu e
Esperanza, o importante é proporcionar-lhe um ambiente familiar estável,
sólido, com muito carinho e amor, para que seja uma criança feliz e
tenha um desenvolvimento normal. Nós podemos garantir isso a um filho
nosso. Não haverá melhor pai do que eu no mundo. Não há ninguém com
autoridade nem legitimidade para questionar a minha paternidade nem a
minha capacidade de ser um bom pai.
Quando iniciou o processo de mudança de sexo?
Em Agosto de 2002.
Quando se apercebeu que tinha um problema de identidade?
Foi uma descoberta. Descobri que era transexual quando saí da aldeia
onde nasci e fui para Madrid. Saí de casa aos 18 anos, tinha um passado
de inadaptação social; em casa as coisas não eram melhores, não me
sentia compreendido pelos meus pais. Em Madrid fui dar com uma
associação, não interessa agora explicar porque razão, e lá uma
funcionária, ainda me lembro do seu nome, Ana Franco, disse-me
claramente, sem papas na língua: «O que tu tens tem um nome, chama-se
transexualidade». Sugeriu-me que fosse à AET - Associacion Española de
Transexuales, onde encontraria ajuda e informação para as dúvidas que
tinha em relação ao que sentia. Fui à AET e aí aprendi que a
transexualidade era uma realidade e, mais importante, que me
identificava com todas aquelas pessoas, que esse era o meu caminho.
Até aí como se sentia com o corpo de mulher? Nunca desconfiou de que poderia ser transexual?
Não, essa palavra não existia no meu vocabulário, não sabia que a
transexualidade existia. Em relação ao meu corpo, não pensava nele, não
tinha consciência daquilo que eu era. Quando não conhece uma realidade,
não pensa sobre ela, certo? Foi o que me aconteceu. Não pensava nisso,
simplesmente. Não me preocupava se era mais masculino ou mais feminino,
só sei que me sentia estranho e isso, sim, era um conflito para mim. Mas
eram tantos os meus conflitos, que de todos esse era o menos
importante.
Não namorava?
Não, enquanto mulher nunca tive namorados nem relações sexuais.
Mantinha-me em absoluta asexualidade. Era uma pessoa anti-social, não
saía com os colegas, não praticava desporto fora da escola, convivia
somente com a minha cadela e os meus pais. Eles levavam-me para todo o
lado com eles, mas eu não conseguia interagir com as pessoas. Na escola
falava com os colegas, mas mesmo aí mantinha-me recatado, afastado.
O que fez assim que descobriu que era transexual?
Primeiro, tive que entender o que se passava comigo, que afinal não era o
que socialmente as pessoas pensavam e esperavam de mim. Depois de
«digerir» a situação, tive que aceitá-la, procurei ajuda. Encontrei-a na
Fundación Sexpol [Associação para o Desenvolvimento da Saúde e do
Bem-Estar Sexual, em Madrid], porque era o único sítio onde poderia
receber acompanhamento psicológica gratuito (nessa altura não tinha
dinheiro, não poderia pagar esse apoio). Na Sexpol disponibilizaram-me
um psicoterapeuta, que me seguiu e diagnosticou, disse-me que o meu
problema era um problema de género e encaminhou-me então para um
endocrinologista que me receitou as hormonas de testosterona. A partir
daí iniciei o processo de mudança de sexo.
Quando começaram a surgir as primeiras transformações?
Não demoraram muito tempo. Na transexualidade masculina as mudanças
acontecem depressa. A testosterona tem uma actuação bastante rápida. No
segundo ou terceiro mês notei uma alteração da voz, tornou-se mais
grave, fiquei com voz de homem como se costuma dizer. No quarto mês este
osso aqui [aponta para a maçã de Adão] começou a ficar saliente. No
sexto mês surgiram-me pêlos na cara, no peito e nas pernas, esse tipo de
coisas. Pouco a pouco, foram-se passando coisas no meu corpo que me
fizeram sentir mais eu. É uma alegria verificares a cada dia que passa
as transformações no teu corpo e sentires que agora sim, começas a
identificar-te com aquilo que vês no espelho. No espelho e não só, cá
dentro também, sentes que estás a ir pelo caminho certo e que tudo vai
ficar bem contigo. [ri] Cada pelito novo que nasce na cara é uma
alegria, significa muito.
Pouco depois conheceu Esperanza...
Quando vi Esperanza a primeira vez foi numa festa, senti logo qualquer
coisa por ela. Ela não me ligava, dizia que eu era ainda um menino. Eu
já era fisicamente um homem, mas temos uma grande diferença de idades
(tenho 26 anos, ela tem 43). Começámos por ser amigos, trocávamos
correspondência, escrevíamos emails. Esperanza continua a dizer-me que
não se enamorou logo por mim, mas investigou-me na internet para ver se
eu estava no Facebook, no Hi5. Ela achava-me graça e sobretudo
persistente – eu telefonava-lhe todos os dias, mandava-lhe emails.
Conquistei-a.
Esperanza foi a primeira namorada?
Não, tive três namoradas antes. Elas sabiam da minha transexualidade,
claro, e tiveram problemas com isso. Despertei para a sexualidade apenas
a partir do momento em que descobri que era transexual. Antes de ser
transexual, não tive relações com ninguém, não tive namorados, não me
interessava.
Nem com a gravidez se sentiu mulher? Saber que dois bebés estavam a crescer dentro de si... Como se sentia?
Feliz. Sentia-me feliz. Os meus objectivos são muito claros. Quero ser
pai e se para isso tenho de utilizar o que a natureza me deu, não vejo
problema algum. Vivi todos os momentos em que estive grávido com muita
emoção, muita alegria e expectativa, mas nunca me vi grávido, porque não
cheguei a ter a barriga muito grande. A expectativa sim, era grande.
Esperanza e eu passávamos pelas lojas de produtos para bebés e ficávamos
parados a olhar para as montras. Víamos coisas muito bonitas e
ficávamos ali, a escrever uma lista na nossa cabeça das coisas que
tínhamos de comprar.
Compraram alguma coisa?
Não. Tínhamos medo. Esperanza disse-me que até ao sexto mês não devíamos
comprar nada para o bebé, que não era o momento. Suponho que era por
superstição, mas também em parte porque ainda não sabíamos onde seria a
nossa morada definitiva. Se nos mudássemos, seria melhor não termos que
transportar muita coisa. Além disso, eu estava sempre muito agoniado,
não tinha muita disposição para andar às compras.
Como reagiram os seus pais à transexualidade e à gravidez?
São muito antiquados. Em relação à transexualidade, a minha mãe acabou
por aceitar, o meu pai não, nunca conseguiu, o que, naturalmente, levou a
que nos afastássemos mais, raramente falamos, as conversas que temos
são cordiais sem serem amigáveis. Com a minha mãe a relação era mais
tranquila - ela morreu em Setembro do ano passado, antes da minha
gravidez. Não sei como ela reagiria a isso. O meu pai julgo que soube da
minha gravidez, mas como não temos uma relação de afecto não lhe
perguntei o que achava e ele também não me disse.
E o resto da família?
Não tenho irmãos, tenho tios e primos, falamos de vez em quando. Não
quero que se metam nos meus assuntos, por isso não alimento conversas
sobre a minha vida privada. Também não me meto na deles. Prefiro assim.
Quero viver sem sobressaltos, com tranquilidade. Cada um segue o caminho
que tem de seguir. Eu quero-lhes bem, gosto muito deles e eles de mim,
estou certo disso. Ainda no outro dia estava ao telefone com uma tia,
disse-lhe que ainda tenho o palhaço que ela me ofereceu quando eu tinha
cinco anos. Prefiro que os meus familiares se mantenham à parte deste
processo, para que não sejam incomodados.
Em todo o caso, não lhe faz falta essa retaguarda familiar?
Mas que melhor apoio poderia eu desejar senão o da minha mulher? Não sou
ainda casado com Esperanza, mas ela é a minha mulher, é a minha
companheira. E como casal, queremos ter um filho juntos. Não é isso que
querem os casais? O apoio que precisamos é um do outro. É disso que
precisam os filhos, que os pais se apoiem, gostem um do outro, se tratem
bem, que tenham uma vida conjugal de afectos. Ponto. Se isso não
existir num casal, então não são um casal. A minha gravidez é tão
complexa – quero dizer, complexa socialmente, porque as pessoas têm
dificuldade em entendê-la e aceitá-la –, que o melhor é evitar todo o
tipo de pressões sobre este assunto.
Chegaram a pensar em nomes para os bebés?
Quando estava grávido sim, pensamos em alguns nomes de menino e de menina. Desta vez não, vamos esperar. Não quero especular...
E o seu nome, escolheu Rubén Noé porquê?
Estefánia é um nome comprido, chamavam-me Fanni e eu não gostava. Então,
para evitar que os outros adoptassem diminutivos feios, procurei um
nome curto. Pensei em Noé. Só que Noé confundia-se com Noemi, Noeli, era
ambíguo, tanto dava para homem como para mulher. Lembrei-me de um nome
mais masculino, que não levantasse dúvidas. Rúben. Rubén Noé. É nome de
homem.
Acabou de mudar de casa e de cidade. Da pequena localidade de Berga passou para a grande Barcelona. Porquê?
Gosto de Barcelona, é uma cidade aberta. Madrid também poderia ser uma
opção. Corri praticamente toda a Espanha vivendo num sítio e noutro com a
minha namorada, e dos sítios por onde passámos, Barcelona foi a cidade
de que mais gostámos. Ela é funcionária da ONCE [Organización Nacional
de Ciegos Españoles], o que a obriga a deslocar-se com frequência e eu
acompanhava-a, porque a minha profissão - sou carpinteiro e faço algum
trabalho de vigilância – posso exercê-la em qualquer lugar. Neste
momento estou desempregado. Chegámos agora a Barcelona, ainda não
encontrei trabalho.
Acha que aqui em Barcelona vai viver mais tranquilo? Será mais fácil a um homem grávido passar despercebido?
Despercebido não diria, mas aceite sim. Se a minha preocupação fosse
passar despercebido, então teria ido para Madrid. Barcelona é uma cidade
aberta a toda a diversidade, as pessoas são mais tolerantes, e do ponto
de vista dos acessos praticamente nenhuma cidade em Espanha oferece
tantas vantagens nem tantas condições para pessoas com dificuldades de
visão como Esperanza (é uma cidade plana). Barcelona tem tudo para
sermos felizes. Penso que aqui poderei andar na rua sem o olhar das
pessoas fixo em mim como se fosse de outro planeta. Olharão para mim e
pensarão que sou um homem gordo, com uma barriga proeminente.
As pessoas com quem se cruza na rua reconhecem-no dos jornais e da televisão como o transexual que engravidou de gémeos?
Algumas pessoas reconhecem-me, são simpáticas. Algumas perguntam-me:
«Você é o homem grávido? Vi-o na televisão...». Eu digo que sou, claro.
As pessoas olham para mim e ficam de boca aberta, porque vêem um homem,
acham inacreditável que eu seja aquele grávido, não acreditam que eu
nasci mulher. Mais dia menos dia a sociedade vai ter que mudar e aceitar
que há outras realidades distintas daquela em que vive a maior parte
das pessoas. Há mundos mais pequenos que também existem.
Como é que a sua gravidez se tornou pública? Foi o Rúben que a divulgou aos jornalistas?
Não.
Foi a clínica?
Não, não creio que tenha sido a clínica, porque uma das condições sine
qua non que a clínica me impôs para aceitar fazer-me a inseminação foi o
anonimato.
Então o que terá acontecido?
Não faço ideia. Sei que um dia me telefonaram de um jornal e me
disseram: «Sei que está grávido, gostaria que me concedesse uma
entrevista». Hesitei, mas insistiram, acabei por aceitar. Sabe, tive
receio de que se não falasse, se não expusesse as minhas razões, alguém
faria isso por mim, dando azo a especulações e mentiras. Por outro lado,
pensei que a exposição do meu caso seria uma forma de ajudar outras
pessoas, outros transexuais que estariam a viver a mesma situação em
silêncio.
Serviu-lhe de alento o caso de Thomas Beatie, o transexual americano que já vai no segundo filho, de uma segunda gravidez?
Eu sempre desejei ter filhos e teria engravidado mesmo que mais nenhum
transexual antes de mim o tivesse conseguido. De resto, o caso dele não
me serviria de alento porque as pessoas complicaram-lhe a vida. Eu
apenas fui insultado, mas ele recebeu ameaças de morte.
Acha que no futuro haverá muitos casos como o seu e o de Thomas Beatie?
Não tenho dúvida disso. A sociedade muda, evolui. Tem de evoluir. Acho
até que deve haver outros casos anteriores ao de Thomas Beatie,
simplesmente mantiveram-se fora da comunicação social. O meu caso e o
caso de Thomas Beatie será assim tão diferente dos de homens e mulheres
que são pais e mães e a dada altura da sua vida mudam de sexo? Há
pessoas que descobrem e assumem a sua transexualidade depois de terem
filhos. Esses casos existem. Não se pode ignorá-los. Não são novidade,
simplesmente parecem invisíveis, interessa a uma sociedade que tem medo
da mudança, não interessa vê-los. Penso que no futuro estas situações
não serão consideradas aberrações. Eu não sou uma aberração. Já fui
abordado por um transexual masculino como eu que também queria
engravidar e não sabia o que fazer. Creio que o importante na minha
exposição pública é abrir portas e criar opções, esclarecer quem vive
uma situação semelhante.
Há pessoas que lhe escrevem no blogue a dizer que estão a viver a mesma situação?
Não, no blogue os comentários geralmente são anónimos e quase todos para me insultar.
Acusam-no de zoofilia. Que história é essa?
É um absurdo. Gerou-se uma polémica à volta de uma fotografia com os
meus animais que não passa de uma ilusão óptica. Não sei se viu a foto.
As pessoas vêem o que querem ver.
Se engravidar outra vez e levar a gravidez até ao fim, juridicamente quem vai ser a mãe?
Eu. Todo o processo está a decorrer como eu sendo mãe solteira.
Mantém o nome de baptismo no cartão de identidade?
Sim [mostra o passaporte].
Aos olhos da lei o Rubén é uma mulher. ..
Exactamente.
Então, nada na lei espanhola [Lei 14/2006, de 26 de Maio sobre as
Técnicas de Reprodução Humana Assistida] o impede de recorrer à
inseminação artificial...
Está tudo conforme a lei, caso contrário a «minha» clínica não me aceitaria.
Se o Rúben vai ser legalmente a mãe, Esperanza será o quê para a criança?
Na prática, será a mãe. Para nós não há qualquer confusão. Aos olhos da
lei, eu sou a mãe, sou a mãe biológica. Mas «dentro de casa», que é como
quem diz, na nossa vida diária, quem decide esse papel sou eu e
Esperanza. Vamos construir a nossa família como tantas outras o fazem.
Para a criança eu serei o pai, Esperanza a mãe. E quando chegar a altura
certa, dir-lhe-emos a verdade, explicaremos tudo. Não há que haver
confusões. Além disso, depois do parto continuarei o tratamento hormonal
com testosterona e farei a cirurgia de redesignação sexual. Serei um
homem por inteiro. E quanto ao meu nome de baptismo, depois da cirurgia
poderei mudá-lo [no Registo Civil].
Vai ser fácil explicar isso a uma criança?
Acho que as crianças entendem as coisas de uma forma mais simples e aceitam-nas mais facilmente.
O seu corpo é então um instrumento para atingir o objectivo de ser pai?
O meu corpo não, os meus órgãos reprodutores. E quando esse objectivo
estiver concretizado, então sim, estarei preparado para extrair tudo o
que ainda me resta de mulher, farei a cirurgia para retirar o útero e os
óvarios e a cirurgia de redesignação de sexo. Nessa altura sentir-me-ei
completo.
Em que clínica está a fazer a inseminação artificial?
Não posso revelar. Foi esse o acordo que fiz com a clínica.
Porquê? A clínica tem receio de que a classe médica em peso lhe «caia» em cima?
Não é por isso, é porque quer manter a privacidade dos outros pacientes.
Nenhum casal deseja chegar à clínica para fazer um tratamento e
deparar-se com cinquenta jornalistas à porta. Uma clínica deste tipo tem
que garantir privacidade. Sendo a minha gravidez uma gravidez mediática
e polémica, alguém poderia lembrar-se de fazer manifestações em frente à
clínica. Há outra razão: fui inserido num estudo clínico, pelo que o
nome da clínica não deve mesmo ser divulgado
Tentou outras clínicas antes dessa?
Muitas. Pessoalmente fui a 15 e enviei emails a todas as 155 clínicas
[de Procriação Medicamente Assistida] existentes em Madrid. Todas me
disseram que não, que era imoral, que não era ético. Outras nem sequer
me responderam. Esta foi a única que me aceitou.
Quanto dinheiro já gastou na inseminação artificial? A imprensa espanhola falou em 16 mil euros...
Não é um processo barato, mas não chega a esses valores. Gastei muito
menos. Não me importava de dizer-lhe quanto, simplesmente não posso,
porque o valor identifica a clínica. Cada uma tem o seu preço.
Quem paga?
Nós. Eu e Esperanza, quem mais?
Gostaria que me falasse um pouco do seu passado. Viveu num orfanato, foi adoptado mas só o soube mais tarde...
Soube quando tinha sete anos, por um colega da escola. Eu vivia numa
localidade muito pequena, toda a gente sabia da vida de toda a gente.
Fiquei a saber assim. Fui logo para casa e perguntei à minha mãe se era
verdade. Com o passar do tempo, essa revelação não me saía da cabeça e
então decidi procurá-la, saber quem era a minha mãe biológica.
Encontrei-a, mas nunca falei com ela. Apenas quis saber quem era.
Porquê? Porque entendo que a procura da identidade só vale a pena se
formos capazes de a aceitar, de a digerir. Eu não sei se seria capaz
disso. Em todo o caso, não tinha necessidade de conhecê-la. Saber quem
era sim, conhecê-la, falar com ela, não. Eu sou um bocado assim: se
preciso procuro, se não preciso fico quieto, deixo como está. Eu sei a
minha história. A minha história é a história de uma gravidez
indesejada, complexa, de uma menina de 17 anos nos anos 60 que não teve
condições para me ter e então fui parar a um orfanato e mais tarde a
casa de uma família que me acolheu.
A imprensa irá certamente disputar as primeiras fotografias do seu futuro bebé. Vão ter um preço, essas imagens?
Há que reconhecer que essas não serão umas fotografias quaisquer. Essas fotos terão um preço, sim.
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