Por Saiba como usar a lei contra a homofobia
Freqüentemente ouvimos notícias de casos de discriminação contra lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais em decorrência de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Os locais variam: o espaço familiar, a escola, o ambiente de trabalho, bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais em geral.
Se nunca fomos discriminados, é comum que consideremos esses problemas como algo distante de nós – mas, de repente, quando menos esperamos, acontece conosco. No fim das contas, também é problema nosso. E agora? O que se deve fazer em um caso desses? A discriminação por orientação sexual é crime no Brasil? Há alguma medida que se deva adotar em ocorrências desse tipo?
Neste artigo, tentaremos esclarecer algumas dúvidas e apontar os melhores caminhos para se denunciar a prática de discriminação contra homossexuais sempre que ela acontecer. Por motivos de força maior, enfocaremos, a princípio, o Estado de São Paulo.
1) Discriminar alguém por ser homossexual é crime no Brasil?
Infelizmente, ao contrário do racismo e da discriminação por gênero, a homofobia (aversão, discriminação a homossexuais) ainda não é legalmente caracterizada como crime no Brasil. A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, XLI, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", mas isso ainda não foi regulamentado por meio de lei ordinária.
Atualmente, até existe um projeto de lei em andamento na Câmara dos Deputados contemplando os GLBTs, mas ainda não há garantias de que a discriminação contra homossexuais seja reconhecida como crime.
2) Se homofobia não é crime, não se pode fazer nada?
Não é bem assim. Em estados como Alagoas, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal e de uma série de municípios nesses mesmos estados e em alguns outros da federação, já existem legislações que punem condutas homofóbicas por parte de pessoas e estabelecimentos.
A diferença é que essas leis, de âmbito local, punem administrativamente, em geral por meio de multas significativas e, no caso de estabelecimentos, até cassação de alvarás. Elas não são restritivas da liberdade porque, como dissemos, a homofobia ainda não é crime – e só no âmbito federal poderia ser incluída no nosso Código Penal, que trata de punições desse tipo.
3) No Estado de São Paulo, há lei antidiscriminatória?
O Estado de São Paulo, a partir da promulgação, pelo governador, da Lei nº 10.948, em 5 de novembro de 2001, passou a contar com uma legislação que prevê punições em caso de discriminação contra cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros (travestis e transexuais).
A autoria do projeto foi do deputado Renato Simões (PT/SP), e estão previstas penalidades que vão da advertência até a cassação da licença de funcionamento, passando por multas de 1.000 UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo) ou 3.000 UFESPs e suspensão da referida licença por 30 dias.
A Lei 10.948/2001 foi regulamentada pelo secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania por meio da Resolução nº 088, de 19 de agosto de 2002, e, embora a regulamentação por meio de um decreto emitido pelo governador nos parecesse a forma mais adequada, já é possível fazer valer os direitos previstos nesta lei, bem como a aplicação de suas punições.
4) E o que é discriminação nos termos da Lei 10.948/2001?
O artigo 2º da Lei 10.948/2001 dispõe que são considerados "atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos desta lei:
I - praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
III - praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em lei;
IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;
VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta, em função da orientação sexual do empregado;
VII - inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer estabelecimento público ou privado em função da orientação sexual do profissional;
VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos".
O artigo 3º estabelece que "são passíveis de punição o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei".
5) Se alguém discriminar, quais são as penalidades?
Pelo artigo 6º, verificamos que "as penalidades aplicáveis aos que praticarem atos de discriminação ou qualquer outro ato atentatório aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana serão as seguintes:
I - advertência;
II - multa de 1.000 (um mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo;
III - multa de 3.000 (três mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, em caso de reincidência;
IV - suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta) dias;
V - cassação da licença estadual para funcionamento".
O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, estabelece que "as penas mencionadas nos incisos II a V deste artigo não se aplicam aos órgãos e empresas públicas, cujos responsáveis serão punidos na forma do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado – Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968", enquanto o parágrafo 2º diz que "os valores das multas poderão ser elevados em até 10 (dez) vezes quando for verificado que, em razão do porte do estabelecimento, resultarão inócuas".
Já o artigo 7º prevê algo muito importante: a responsabilidade dos funcionários públicos do Estado, civis ou militares, na garantia do cumprimento da lei. Confira: "aos servidores públicos que, no exercício de suas funções e/ou em repartição pública, por ação ou omissão, deixarem de cumprir os dispositivos da presente lei, serão aplicadas as penalidades cabíveis nos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos".
6) Tudo bem. Mas, se a discriminação acontecer, como eu utilizo a lei na prática?
A Lei 10.948/2001 já define como as denúncias podem ser apresentadas e encaminhadas. O artigo 4º estabelece que "a prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo administrativo, que terá início mediante:
I - reclamação do ofendido;
II - ato ou ofício de autoridade competente;
III - comunicado de organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos".
Portanto, o processo administrativo contra a pessoa ou o estabelecimento que praticar discriminação pode ser iniciado tanto em decorrência de reclamação direta da pessoa ofendida quanto por iniciativa de autoridade competente ou ainda por meio da denúncia de organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.
Como veremos a seguir, isso significa que, no que diz respeito a você, é possível tanto acionar, por conta própria, a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania quanto procurar um grupo de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros ou de direitos humanos.
7) É preciso ser militante ou ter advogado para denunciar?
O artigo 5º prevê que "o cidadão homossexual, bissexual ou transgênero que for vítima dos atos discriminatórios poderá apresentar sua denúncia pessoalmente ou por carta, telegrama, telex, via Internet ou fac-símile ao órgão estadual competente e/ou a organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos".
O parágrafo 1º do mesmo artigo estabelece que "a denúncia deverá ser fundamentada por meio da descrição do fato ou ato discriminatório, seguida da identificação de quem faz a denúncia, garantindo-se, na forma da lei, o sigilo do denunciante".
Finalmente, o parágrafo 2º diz que "recebida a denúncia, competirá à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania promover a instauração do processo administrativo devido para apuração e imposição das penalidades cabíveis".
Não há, portanto, obrigatoriedade de se constituir advogado para encaminhar a denúncia, embora a assistência de um profissional dessa área possa qualificá-la, aumentando as possibilidades de vitória.
Da mesma forma, não é preciso ser militante, embora muitas vezes o apoio de militantes para encaminhar a denúncia possa ser proveitoso.
8) E como funciona o processo?
Depois de encaminhada a denúncia, a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, por meio de sua Comissão Processante Permanente (CPP) – composta por três servidores públicos –, envia uma notificação, via postal, ao denunciado, para que ele se manifeste sobre a denúncia.
Depois do prazo para essa defesa, o processo volta ao presidente da Comissão, que determina, se for necessária, a realização de uma audiência para ouvir testemunhas.
Depois disso, o processo pode ir a julgamento, e, da decisão da CPP, aplicando ou não alguma penalidade, cabe recurso ao secretário de Justiça e Defesa da Cidadania.
9) Existe algum gasto para abrir o processo?
Não. O processo é gratuito. O que podem acarretar despesas é, no caso das pessoas do interior do Estado, protocolar a denúncia na Secretaria, que fica na capital e não tem estrutura descentralizada pelo interior de SP, e arcar com os custos de transporte das testemunhas para a audiência em que serão ouvidas.
10) E, no momento da discriminação, qual a atitude a ser tomada?
Tente argumentar com a pessoa que está discriminando, mas não exagere na tensão, pois isso pode piorar o clima e acarretar algo pior, como uma agressão ou coisa do gênero.
Veja se existem outras pessoas presenciando o fato e verifique se algumas delas se dispõem a ser suas testemunhas. Anote ao menos os nomes e os telefones, para depois pegar os dados completos, inclusive os endereços.
11) É necessário fazer Boletim de Ocorrência?
O Boletim de Ocorrência (B.O.) é o equivalente ao que o Código de Processo Penal define como "notitia criminis", expressão em latim que corresponde a "notícia do crime".
Como já afirmamos anteriormente, o ato em si de discriminar por homofobia não caracteriza crime no Brasil. Portanto, para fazer a denúncia prevista na Lei 10.948/2001, a lavratura de Boletim de Ocorrência não é um pré-requisito indispensável.
Entretanto, fazer um B.O. pode ajudar no sentido de já se ter logo registrado por um órgão público a situação de discriminação – mas atenção: quando a homofobia não estiver associada a uma atitude efetivamente prevista como crime, seja no Código Penal ou em legislação penal esparsa, a autoridade policial poderá recusar-se a redigi-lo, sem que isso signifique que ela está incorreta ou que também o está discriminando.
No entanto, se, além da discriminação, acontecer qualquer atitude que possa ser enquadrada como criminosa, desde os crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação – até lesões corporais, fazer o Boletim Ocorrência é absolutamente necessário, especialmente nos casos de agressão física: O B.O. é o meio mais rápido para se obter a requisição para o exame de corpo de delito, que é feito pelo Instituto Médico Legal.
12) E se eu for agredido e o Instituto Médico Legal não estiver aberto?
Se o IML de sua cidade não funcionar 24 horas, não espere pelo dia em que ele estará aberto, pois, dependendo das lesões ocasionadas – leves, médias ou graves –, as seqüelas podem desaparecer.
Para que isso não ocorra, a vítima deve se dirigir a um hospital para ser atendida e assim garantir que seja feito um relatório médico em que sejam devidamente registradas as lesões.
13) O processo pela Lei 10.948/2001 é o único a ser aberto?
A denúncia com base na Lei 10.948/2001 é fundamental para que seja iniciado um processo que caracterize a homofobia, mas outras medidas processuais também podem ser tomadas.
Se a cidade onde ocorreu a discriminação tiver uma lei municipal antidiscriminatória – como são os casos de Campinas e São José do Rio Preto no Estado de São Paulo, por exemplo –, pode ser aberto ao mesmo tempo um processo no âmbito municipal, funcionando como mais um instrumento de pressão.
Ademais, se, além do ato discriminatório, acontecer alguma atitude que possa ser enquadrada como criminosa (calúnia, injúria e difamação, ameaça, constrangimento ilegal, lesão corporal, entre outras), a vítima pode tomar as providências para que seja aberto um processo criminal.
Se for um crime contra a honra – calúnia, injúria e difamação –, a ação penal é privada, ou seja, é preciso que a vítima constitua um advogado para ingressar com a queixa-crime diretamente perante o Judiciário.
Se for algum dos outros crimes que citamos, a vítima pode comparecer diante do Ministério Público para encaminhar a representação com ou sem advogado, e, a partir daí, se entender que há indício de conduta criminosa, a promotoria encaminhará ofício à autoridade policial (delegado), determinando a abertura de Inquérito Policial – que, ao final, poderá resultar na abertura do Processo Criminal por denúncia do próprio Ministério Público.
Além disso, se a vítima, com a assistência do advogado, entender que sofreu danos morais em decorrência da atitude discriminatória praticada, poderá também ingressar com uma ação indenizatória, pleiteando uma reparação pelos danos morais sofridos.
14) A única reação à homofobia é a abertura de processos?
Os processos são importantes e necessários, pois as penalidades aplicadas a determinados casos, especialmente aqueles que se tornam mais emblemáticos, podem atuar de maneira pedagógica sobre a sociedade.
Já imaginou, por exemplo, o efeito de uma condenação – em processo administrativo, criminal, civil ou qualquer outro possível – contra um notório homófobo, do tipo desses deputados evangélicos que saem por aí propondo projetos de lei de apoio à "cura" da homossexualidade? Pense na repercussão que isso teria e como alguns destes intolerantes pensariam duas vezes antes de nos ofender...
Podemos também – e penso que, sempre que possível, devemos tentar – realizar manifestações públicas (ações diretas) contra estabelecimentos que discriminem cidadãs ou cidadãos por serem lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais.
Isso tem impacto junto à opinião pública e pode servir para, junto com as medidas processuais, advertir os homófobos de que estamos atentos e não aceitaremos qualquer forma de discriminação, seja por orientação sexual e/ou identidade de gênero, seja por que motivo for.
Freqüentemente ouvimos notícias de casos de discriminação contra lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais em decorrência de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Os locais variam: o espaço familiar, a escola, o ambiente de trabalho, bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais em geral.
Se nunca fomos discriminados, é comum que consideremos esses problemas como algo distante de nós – mas, de repente, quando menos esperamos, acontece conosco. No fim das contas, também é problema nosso. E agora? O que se deve fazer em um caso desses? A discriminação por orientação sexual é crime no Brasil? Há alguma medida que se deva adotar em ocorrências desse tipo?
Neste artigo, tentaremos esclarecer algumas dúvidas e apontar os melhores caminhos para se denunciar a prática de discriminação contra homossexuais sempre que ela acontecer. Por motivos de força maior, enfocaremos, a princípio, o Estado de São Paulo.
1) Discriminar alguém por ser homossexual é crime no Brasil?
Infelizmente, ao contrário do racismo e da discriminação por gênero, a homofobia (aversão, discriminação a homossexuais) ainda não é legalmente caracterizada como crime no Brasil. A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, XLI, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", mas isso ainda não foi regulamentado por meio de lei ordinária.
Atualmente, até existe um projeto de lei em andamento na Câmara dos Deputados contemplando os GLBTs, mas ainda não há garantias de que a discriminação contra homossexuais seja reconhecida como crime.
2) Se homofobia não é crime, não se pode fazer nada?
Não é bem assim. Em estados como Alagoas, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal e de uma série de municípios nesses mesmos estados e em alguns outros da federação, já existem legislações que punem condutas homofóbicas por parte de pessoas e estabelecimentos.
A diferença é que essas leis, de âmbito local, punem administrativamente, em geral por meio de multas significativas e, no caso de estabelecimentos, até cassação de alvarás. Elas não são restritivas da liberdade porque, como dissemos, a homofobia ainda não é crime – e só no âmbito federal poderia ser incluída no nosso Código Penal, que trata de punições desse tipo.
3) No Estado de São Paulo, há lei antidiscriminatória?
O Estado de São Paulo, a partir da promulgação, pelo governador, da Lei nº 10.948, em 5 de novembro de 2001, passou a contar com uma legislação que prevê punições em caso de discriminação contra cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros (travestis e transexuais).
A autoria do projeto foi do deputado Renato Simões (PT/SP), e estão previstas penalidades que vão da advertência até a cassação da licença de funcionamento, passando por multas de 1.000 UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo) ou 3.000 UFESPs e suspensão da referida licença por 30 dias.
A Lei 10.948/2001 foi regulamentada pelo secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania por meio da Resolução nº 088, de 19 de agosto de 2002, e, embora a regulamentação por meio de um decreto emitido pelo governador nos parecesse a forma mais adequada, já é possível fazer valer os direitos previstos nesta lei, bem como a aplicação de suas punições.
4) E o que é discriminação nos termos da Lei 10.948/2001?
O artigo 2º da Lei 10.948/2001 dispõe que são considerados "atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos desta lei:
I - praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
III - praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em lei;
IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;
VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta, em função da orientação sexual do empregado;
VII - inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer estabelecimento público ou privado em função da orientação sexual do profissional;
VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos".
O artigo 3º estabelece que "são passíveis de punição o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei".
5) Se alguém discriminar, quais são as penalidades?
Pelo artigo 6º, verificamos que "as penalidades aplicáveis aos que praticarem atos de discriminação ou qualquer outro ato atentatório aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana serão as seguintes:
I - advertência;
II - multa de 1.000 (um mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo;
III - multa de 3.000 (três mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, em caso de reincidência;
IV - suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta) dias;
V - cassação da licença estadual para funcionamento".
O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, estabelece que "as penas mencionadas nos incisos II a V deste artigo não se aplicam aos órgãos e empresas públicas, cujos responsáveis serão punidos na forma do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado – Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968", enquanto o parágrafo 2º diz que "os valores das multas poderão ser elevados em até 10 (dez) vezes quando for verificado que, em razão do porte do estabelecimento, resultarão inócuas".
Já o artigo 7º prevê algo muito importante: a responsabilidade dos funcionários públicos do Estado, civis ou militares, na garantia do cumprimento da lei. Confira: "aos servidores públicos que, no exercício de suas funções e/ou em repartição pública, por ação ou omissão, deixarem de cumprir os dispositivos da presente lei, serão aplicadas as penalidades cabíveis nos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos".
6) Tudo bem. Mas, se a discriminação acontecer, como eu utilizo a lei na prática?
A Lei 10.948/2001 já define como as denúncias podem ser apresentadas e encaminhadas. O artigo 4º estabelece que "a prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo administrativo, que terá início mediante:
I - reclamação do ofendido;
II - ato ou ofício de autoridade competente;
III - comunicado de organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos".
Portanto, o processo administrativo contra a pessoa ou o estabelecimento que praticar discriminação pode ser iniciado tanto em decorrência de reclamação direta da pessoa ofendida quanto por iniciativa de autoridade competente ou ainda por meio da denúncia de organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.
Como veremos a seguir, isso significa que, no que diz respeito a você, é possível tanto acionar, por conta própria, a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania quanto procurar um grupo de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros ou de direitos humanos.
7) É preciso ser militante ou ter advogado para denunciar?
O artigo 5º prevê que "o cidadão homossexual, bissexual ou transgênero que for vítima dos atos discriminatórios poderá apresentar sua denúncia pessoalmente ou por carta, telegrama, telex, via Internet ou fac-símile ao órgão estadual competente e/ou a organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos".
O parágrafo 1º do mesmo artigo estabelece que "a denúncia deverá ser fundamentada por meio da descrição do fato ou ato discriminatório, seguida da identificação de quem faz a denúncia, garantindo-se, na forma da lei, o sigilo do denunciante".
Finalmente, o parágrafo 2º diz que "recebida a denúncia, competirá à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania promover a instauração do processo administrativo devido para apuração e imposição das penalidades cabíveis".
Não há, portanto, obrigatoriedade de se constituir advogado para encaminhar a denúncia, embora a assistência de um profissional dessa área possa qualificá-la, aumentando as possibilidades de vitória.
Da mesma forma, não é preciso ser militante, embora muitas vezes o apoio de militantes para encaminhar a denúncia possa ser proveitoso.
8) E como funciona o processo?
Depois de encaminhada a denúncia, a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, por meio de sua Comissão Processante Permanente (CPP) – composta por três servidores públicos –, envia uma notificação, via postal, ao denunciado, para que ele se manifeste sobre a denúncia.
Depois do prazo para essa defesa, o processo volta ao presidente da Comissão, que determina, se for necessária, a realização de uma audiência para ouvir testemunhas.
Depois disso, o processo pode ir a julgamento, e, da decisão da CPP, aplicando ou não alguma penalidade, cabe recurso ao secretário de Justiça e Defesa da Cidadania.
9) Existe algum gasto para abrir o processo?
Não. O processo é gratuito. O que podem acarretar despesas é, no caso das pessoas do interior do Estado, protocolar a denúncia na Secretaria, que fica na capital e não tem estrutura descentralizada pelo interior de SP, e arcar com os custos de transporte das testemunhas para a audiência em que serão ouvidas.
10) E, no momento da discriminação, qual a atitude a ser tomada?
Tente argumentar com a pessoa que está discriminando, mas não exagere na tensão, pois isso pode piorar o clima e acarretar algo pior, como uma agressão ou coisa do gênero.
Veja se existem outras pessoas presenciando o fato e verifique se algumas delas se dispõem a ser suas testemunhas. Anote ao menos os nomes e os telefones, para depois pegar os dados completos, inclusive os endereços.
11) É necessário fazer Boletim de Ocorrência?
O Boletim de Ocorrência (B.O.) é o equivalente ao que o Código de Processo Penal define como "notitia criminis", expressão em latim que corresponde a "notícia do crime".
Como já afirmamos anteriormente, o ato em si de discriminar por homofobia não caracteriza crime no Brasil. Portanto, para fazer a denúncia prevista na Lei 10.948/2001, a lavratura de Boletim de Ocorrência não é um pré-requisito indispensável.
Entretanto, fazer um B.O. pode ajudar no sentido de já se ter logo registrado por um órgão público a situação de discriminação – mas atenção: quando a homofobia não estiver associada a uma atitude efetivamente prevista como crime, seja no Código Penal ou em legislação penal esparsa, a autoridade policial poderá recusar-se a redigi-lo, sem que isso signifique que ela está incorreta ou que também o está discriminando.
No entanto, se, além da discriminação, acontecer qualquer atitude que possa ser enquadrada como criminosa, desde os crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação – até lesões corporais, fazer o Boletim Ocorrência é absolutamente necessário, especialmente nos casos de agressão física: O B.O. é o meio mais rápido para se obter a requisição para o exame de corpo de delito, que é feito pelo Instituto Médico Legal.
12) E se eu for agredido e o Instituto Médico Legal não estiver aberto?
Se o IML de sua cidade não funcionar 24 horas, não espere pelo dia em que ele estará aberto, pois, dependendo das lesões ocasionadas – leves, médias ou graves –, as seqüelas podem desaparecer.
Para que isso não ocorra, a vítima deve se dirigir a um hospital para ser atendida e assim garantir que seja feito um relatório médico em que sejam devidamente registradas as lesões.
13) O processo pela Lei 10.948/2001 é o único a ser aberto?
A denúncia com base na Lei 10.948/2001 é fundamental para que seja iniciado um processo que caracterize a homofobia, mas outras medidas processuais também podem ser tomadas.
Se a cidade onde ocorreu a discriminação tiver uma lei municipal antidiscriminatória – como são os casos de Campinas e São José do Rio Preto no Estado de São Paulo, por exemplo –, pode ser aberto ao mesmo tempo um processo no âmbito municipal, funcionando como mais um instrumento de pressão.
Ademais, se, além do ato discriminatório, acontecer alguma atitude que possa ser enquadrada como criminosa (calúnia, injúria e difamação, ameaça, constrangimento ilegal, lesão corporal, entre outras), a vítima pode tomar as providências para que seja aberto um processo criminal.
Se for um crime contra a honra – calúnia, injúria e difamação –, a ação penal é privada, ou seja, é preciso que a vítima constitua um advogado para ingressar com a queixa-crime diretamente perante o Judiciário.
Se for algum dos outros crimes que citamos, a vítima pode comparecer diante do Ministério Público para encaminhar a representação com ou sem advogado, e, a partir daí, se entender que há indício de conduta criminosa, a promotoria encaminhará ofício à autoridade policial (delegado), determinando a abertura de Inquérito Policial – que, ao final, poderá resultar na abertura do Processo Criminal por denúncia do próprio Ministério Público.
Além disso, se a vítima, com a assistência do advogado, entender que sofreu danos morais em decorrência da atitude discriminatória praticada, poderá também ingressar com uma ação indenizatória, pleiteando uma reparação pelos danos morais sofridos.
14) A única reação à homofobia é a abertura de processos?
Os processos são importantes e necessários, pois as penalidades aplicadas a determinados casos, especialmente aqueles que se tornam mais emblemáticos, podem atuar de maneira pedagógica sobre a sociedade.
Já imaginou, por exemplo, o efeito de uma condenação – em processo administrativo, criminal, civil ou qualquer outro possível – contra um notório homófobo, do tipo desses deputados evangélicos que saem por aí propondo projetos de lei de apoio à "cura" da homossexualidade? Pense na repercussão que isso teria e como alguns destes intolerantes pensariam duas vezes antes de nos ofender...
Podemos também – e penso que, sempre que possível, devemos tentar – realizar manifestações públicas (ações diretas) contra estabelecimentos que discriminem cidadãs ou cidadãos por serem lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais.
Isso tem impacto junto à opinião pública e pode servir para, junto com as medidas processuais, advertir os homófobos de que estamos atentos e não aceitaremos qualquer forma de discriminação, seja por orientação sexual e/ou identidade de gênero, seja por que motivo for.