Hoje temos o depoimento de um Crossdresser que tenho certeza que esclarecerá as dúvidas de muita gente


Achei legal
a ideia para ter a oportunidade de esclarecer melhor a quem achou
estranho, ou até mesmo bizarro, esse negócio de homem heterossexual que
tem a fantasia de se vestir de mulher. “Como assim hétero que se
veste de mulher? E eu sou o Batman!” Claro que quem achou isso tem o
direito de continuar achando, bem como achar uma pouca vergonha, se for o
caso. No entanto, convém sempre ter uma postura cautelosa antes de sair
criticando o que não conhecemos bem.
Vou tentar contar
um pouco do que é ser CD (crossdresser) para mim, baseado nas minhas
experiências pessoais e também no que aprendi através da internet, lendo
relatos de outras crossdressers. Mas deixo bem claro que não procuro
falar em nome de uma categoria ou coisa do tipo, pois acho que isso
seria uma grande besteira (cada um tem a sua história).
Não recordo quando “tudo começou”. Lembro que sempre fui uma criança tímida e retraída, sem muitos amigos. A
figura feminina sempre me atraiu, mas de dois diferentes modos. Por um
lado eu era atraído pelas mulheres, de uma forma precoce até. Observava
as meninas e também as mulheres adultas, imaginando coisas picantes com
elas. Não só as mulheres em si, mas todo o contexto relacionado a elas,
ou seja, o universo feminino em geral, como mulheres usando roupas
sexys, bem maquiadas, unhas pintadas e bem feitas, etc.
Por outro lado
essas coisas do universo feminino me atraíam em si mesmas. Ou seja, além
de me sentir atraído pelas mulheres, de algum modo eu tinha uma
curiosidade – que acabou se tornando um desejo – de me ver como elas, podendo usar aqueles lindos vestidos, usando maquiagem, ter cabelos compridos etc.
A situação pode parecer confusa, mas a verdade é que essas duas coisas sempre conviveram em mim. Mas nunca senti atração por meninos e garanto que nunca cheguei nem a tocar em algum (como os famosos trocas-trocas).
Eu não tinha jeito
afeminado, mas não era um típico menino normal, que gostava de brincar
na rua, empinar pipa, etc. Nunca fui chamado de “bichinha” ou coisas do
tipo, porém sempre fui considerado o menino esquisito, por ser muito
tímido e pouco enturmado.
Com cerca de 11
anos eu tomei coragem e passei o meu primeiro batom, escondido no
banheiro. Foi uma emoção nova, uma sensação de realização misturada com o
medo de ser descoberto. A experiência tinha que voltar a ser
repetida e de fato acabou se tornando um costume. Sempre que estava
sozinho em casa passei a vestir roupas da minha mãe ou irmã, me maquiava
com batom, lápis, rímel, o que mais estivesse disponível. Se houvesse
uma peruca iria amar (o máximo que consegui foi um daqueles chapéus de
festa junina com umas trancinhas penduradas rs). Nessa idade os sapatos
da minha mãe já quase não me serviam, mesmo assim eu os usava, ficando
com parte do pé para fora.
Desfilava pela casa
dessa maneira, me sentindo uma linda mulher. Aos poucos fui sentindo
vontade de algo mais. Eu queria interagir com alguém como mulher (não
falo sexualmente, mas apenas conversar com alguém que me tratasse como
mulher). Vale lembrar que na época ainda não estava difundida a
internet. A solução que eu encontrei foi pegar a lista telefônica e
ligar para salões de beleza pedindo informações sobre corte de cabelo,
depilação, unhas, ou até mesmo dia da noiva rs, tornando a voz o mais
feminina possível. A sensação de prazer foi enorme em “ser mulher” ao
telefone. Além do prazer especial em escolher nomes como Michely,
Vanessa e ser chamada por Tais. Confesso que preferia mil vezes quando
quem atendia era mulher, pois interagir com uma me fazia sentir estar
sendo tratada por outra mulher como uma “igual”, o que aumentava a
sensação de estar sendo mulher.
Paralelamente a
isso continuava sem ser um garoto popular na escola. Apesar de ser um
menino considerado bonito, nunca tive coragem de chegar em uma menina. A
verdade é que se fui namorar depois de adulto, por incrível que pareça.
A prática crossdresser foi parando conforme eu ia vendo que já estava crescido e com muitas características masculinas. Não
é que a vontade tenha diminuído, é que agora como rapaz quase homem o
resultado daquelas produções amadoras não era satisfatório, aquilo não
me satisfazia mais. Isso sem falar no medo em ser descoberto. Por isso
aos poucos parei com esse costume de me “montar”. Mas no fundo
mantinha a vontade de poder me produzir belissimamente, utilizando-me de
todo o arsenal disponível em maquiagens, perucas, etc, tal como as
transformistas da TV. Mas era um sonho impossível, impraticável.
Até que
aproximadamente em 2006 eu passei a acessar regularmente a internet e
descobri, por assim dizer, um outro mundo. Descobri o termo crossdresser
e vi que havia muitas outras pessoas com histórias muito parecidas com a
minha. Eram meninos que durante anos mantinham externamente a
postura de homens normais e viris mas que guardavam em segredo esse
desejo de ser menina.
As histórias
variavam bastante. Algumas dessas crossdressers que eu descobri eram
meninos afeminados, que se identificavam plenamente com o sexo feminino.
Eram na verdade transexuais em fase de descoberta, ou seja, desses
meninos que na escola são atormentados chamados de “viadinhos” e coisas
semelhantes.
Outros casos,
porém, eram de homens que sempre levaram uma vida normal como meninos,
muitas vezes sendo “pegadores” de garotas, praticante de esportes
(podiam ser inclusive os tais meninos populares dos colégios). Percebi
que esse “fenômeno”, se assim se pode chamar, não atingia somente
pessoas com determinado tipo de comportamento aparente, mas que de fato
qualquer um poderia ser uma crossdresser.
No entanto
verifiquei também um aspecto bem pouco, digamos, glamouroso. Vi diversas
“CDs” que entendiam que ser crossdresser era vestir uma calcinha e
tirar fotos da bunda, muitas vezes peluda, colocando no orkut. Isso
sempre foi algo bem bizarro pra mim, pois pra mim aquilo não tinha e não
tem nada a ver com a feminilidade, a qual eu entendo ser se comportar e
se vestir como uma mulher de classe, em todos os seus aspectos; ser
sexy sem ser vulgar. Inclusive, imagino que quem nunca tinha ouvido o
termo crossdresser e tenha resolvido pesquisar na internet – após a
matéria anterior aqui do site – tenha se deparado com fotos assim e logo
concluído que essa prática não passa de uma grande promiscuidade
generalizada. Não é bem assim. Existem casos e casos como eu disse.
Acredito que um bom
número de pessoas que procuram apenas sexo – gays que curtem ser
passivos e sabem que certos homens curtem isso – embarcaram nessa onda,
se denominando CDs e oferecendo suas bundinhas com calcinha na internet.
Não que eu critique quem faz isso. Mas entendo que o que mais fascina a
crossdresser de verdade é viver o universo feminino como um todo,
procurando alcançar o máximo possível a imagem de uma mulher.
Outro detalhe:
eu enfatizei anteriormente o fato de ser CD não ter nada a ver com ser
gay, o que é verdade. Mas não quer dizer que toda CD seja heterossexual.
Pelo contrário, existem as que saem com homens sim. Não vou
esconder um aspecto bem “perigoso” do crossdressing: a fantasia de se
ver como mulher pode acabar provocando uma certa curiosidade em querer
estar com um homem. Afinal, se a imaginação de uma CD quer viver a
experiência de ser uma mulher de verdade, é até natural que ela acabe
por imaginar situações em que está se entregando a um homem (afinal para
viver plenamente a experiência de ser mulher, só mesmo sendo vista como
tal por um homem). Acredito que algumas vivam essa fantasia apenas na
imaginação, enquanto outras acabam partindo para a uma situação real.
Nesse caso acho que podem acontecer duas coisas: não gostar e nunca mais
repetir ou acabar gostando.
Não tenho condições de analisar esse aspecto a fundo, mas posso dar alguns palpites: provavelmente
boa parte das CDs sejam homossexuais que não se aceitaram ou não se
descobriram ainda, fazendo com o crossdressing seja uma porta de entrada
para isso. Outra parcela dos casos consiste naqueles que são apenas
heterossexuais, mas cuja fantasia em ser mulher os leva a ter
pensamentos eróticos em que desempenham o papel de mulher no sexo. Eu
diria que essa é a principal contradição que pode ser encontrada nesse
mundo crossdresser. Se tal indivíduo decide abandonar a simples fantasia
e partir para a real com um homem poderá ainda assim ser considerado
heterossexual? Seria válido o argumento se ele dissesse ser 100% hétero
como homem, e sair com homens apenas para satisfazer o seu ego
alternativo feminino? Cada um fique à vontade para dar a sua resposta. E
finalmente temos as CDs cujo único interesse é viver o universo
feminino, não tendo nenhuma fantasia de estar com um homem. Muitas
dessas procuram até mesmo mulheres que aceitem esse lado feminino e
curtam “montá-las”.
Depois desse
apanhado geral sobre o crossdressing, voltemos um pouco à minha
história: desde que passei a ser CD na internet consegui em 3 ocasiões,
após reunir uma certa coragem, marcar uma hora com uma pessoa (foram
pessoas diferentes em cada ocasião) para me produzir do jeito que eu
sempre quis. São maquiadoras (em um caso foi uma mulher, nos outros dois
duas travestis). Deste modo pude realizar essa fantasia de me ver
como garota e tirar algumas fotos, sensação maravilhosa para mim.
Gostaria de fazer mais vezes, mas é complicado fazer tudo com discrição,
especialmente agora que estou namorando (uma mulher, claro). Nem preciso dizer que até a presente data ninguém sabe desse meu lado oculto e não sei o que faria se alguém descobrisse.
Penso que talvez o
melhor seja parar de fazer isso, especialmente depois que me casar. Mas a
verdade é que imagino que não será fácil.