Ninguém pune uma mulher por ela se comportar como um homem. Pelo contrário, mulheres que desempenham papéis até ontem considerados exclusivamente masculinos são cada vez mais prestigiadas na sociedade.
Só o homem continua se envergonhando de parecer com a mulher, manifestação típica do macho da espécie que, por milênios considerou-se e foi respeitado como rei absoluto da natureza.
Até praticamente o início do século XX, ser mulher era sinônimo de ser escrava do homem, tendo que viver sob sua tutela, sem nenhum direito a ter uma vida própria. Depois das lutas da mulher pela emancipação – quase todas ganhas, e bem ganhas, até agora – é o homem que está sofrendo os efeitos da mão pesada da repressão social, que o mantém sitiado dentro das estreitas normas de conduta do gênero masculino onde, para ser reconhecido como homem não basta ter nascido macho, mas parecer homem, agir como homem, vestir-se como homem, pensar, sentir (sentir?) e até morrer como homem, 24h por dia, 365 dias por ano, de “mamando a caducando”.
Na cultura patriarcal-machista que tem imperado pelos últimos 10.000 anos, “ser e parecer homem” significa, essencialmente, “não ser e não parecer mulher”. O homem sempre se definiu a partir da negação e da repulsa, em si mesmo, de todo e qualquer traço de “mulheridade”, por assim dizer. Se a mulher tem ou faz isso, um homem terminantemente não pode ter nem fazer – nem isso, nem qualquer coisa semelhante. Ser homem é ser o oposto da mulher em todos os sentidos, por mais absurda que seja essa idéia. Apesar do disparatado da idéia, a rígida divisão dos gêneros masculino-feminino, com um sendo o oposto do outro, funcionou a contento enquanto os espaços sociopolíticoeconômicos foram mantidos bem delimitados, com os papéis de homem e de mulher claramente definidos. A coisa pega exatamente a partir do momento em que a mulher sente-se livre para exercer papéis antes exclusivos do homem, para vestir-se como homem quando bem lhe aprouver, para substituir o homem num sem número de atividades nas quais ele se julgava insubstituível. Nessa hora o homem ficou totalmente sem referências para definir-se, já que não há mais um perfil estável de mulher para ser negado.
A Revolução Feminista veio complicar tremendamente a vida desse personagem patético chamado “homem”, cuja “existência” até então se dava essencialmente em função da “inexistência” da mulher. Com os movimentos de liberação feminina, praticamente tudo o que a mulher não tinha ou não fazia ela passou a ter e a fazer, estabelecendo com o homem uma insuspeita (e totalmente inoportuna e indesejada) “igualdade de direitos”. Ao tornar-se “igual ao homem” a mulher fez muito mais do que tomar posse do que sempre lhe pertenceu de fato e de direito: – ela detonou a definição de homem como alguém que não tem e não faz nada do que uma mulher tem ou faz. Mandou para os ares o conceito de homem firmado a partir da negação e do repúdio a tudo que fosse considerado como “feminino” no comportamento do macho.
Um grande vazio institucional está criado: – se agora a mulher já pode tudo e já faz tudo o que um homem faz, em função de que sobreviverá daqui para frente o conceito de homem? A coisa é ainda mais grave se observarmos que a própria tecnologia, basicamente “inventada” pelo homem tornou-se fortíssima aliada da mulher, ao permitir a ela “dispensar” a participação do homem até mesmo na concepção dos filhos… São cada vez mais claras – e mais assustadoras – para o homem as conseqüências do fim das prerrogativas absolutas do gênero masculino.
A supremacia da mulher é uma realidade incontestável. Mesmo porque, a mulher “é” e sempre será a mãe, a geradora de tudo. Pai, como outros tantos papéis sociais do homem, não passam de meras ficções culturais.
A transgeneridade pode ser um passo adiante na redefinição do que será o homem na sociedade surgida após a revolução da mulher. Homens que imitam – e saboreiam – o comportamento feminino com a mesma naturalidade que as mulheres imitam o comportamento dos homens. Homens que se vestem de mulher, com muita graça, beleza e nenhuma vergonha do que estão fazendo. Homens desvinculados da brutalidade do gênero masculino, que descobrem a graça do gênero feminino e se orgulham de incorporar esses valores à sua própria personalidade. De homem.