Para a maioria dos homens transgêneros, revelar-se para as companheiras, sejam elas esposas, noivas ou namoradas ainda é um apocalipse, com o céu se abrindo ao meio, cheio de raios, trovões e trombetas do juízo final. Algo assim tão extraordinário e assustador como a divisão do Mar Vermelho, naquele épico bíblico de Cecil B. de Mille. Nosso desafio – de hoje e de sempre – é fazer com que o travestismo masculino (crossdressing) alcance um status de absoluta naturalidade, tal como o travestismo feminino já alcançou há muito tempo. Vestir-se é um ato de auto-expressão e cada pessoa deve ter o direito de se vestir como quiser. Portanto, muito mais do que uma luta para superação da divisão dos seres humanos nesse malfadado binômio de gêneros, a afirmação da transgeneridade é a própria afirmação do direito à livre expressão, assegurado constitucionalmente a todas as pessoas deste país. Se tivermos êxito, esse será seguramente o nosso maior legado para as próximas gerações de pessoas transgêneras. Um dia em que, contar para a esposa (assim como para a família ou para os amigos), será algo tão simples e natural quanto dizer “querida, eu vou ali na esquina comprar jornal” e que a reação dela, por seu turno, não seja mais do que um simples “ta bom, amor, mas vê se não demora muito não, viu?”
Dedico essa seção a Lalá, companheira extraordinária que tive a sorte única de encontrar, para toda a vida. Não sei o que seria da “minha mulher” sem essa mulher, amiga, amante e S/O, com quem vivo há mais de 35 anos. A despeito de todos os altos e baixos que já tivemos que enfrentar, continuo convicta de que vale a pena investir cada minuto da minha vida para manter nossa relação como a grande e ardente paixão que sempre foi. Nem sempre eu consigo, como deveria, mas tento me lembrar sempre de retribuir, muito apaixonadamente, com muito carinho e ternura (como, aliás, só uma mulher apaixonada sabe fazer), todo o bem que ela me faz estando em minha companhia.