Temática
Este estudo procurou explicitar de que forma a marginalidade sexual
relativa é gerida por diferentes indivíduos e/ou grupos num contexto
local preciso, nomeadamente Lisboa, através da mobilização de processos
de negociação de poder simbólico e do reposicionamento do “estilo de
vida gay”. Este último aparece definido positivamente pela maioria dos
entrevistados aquando da análise e observação do seu discurso, do qual
se constrói uma leitura da homossexualidade que a coloca mais próxima
daquilo que são as normas e, ainda, o reforço do processo de
marginalização de outras formas de experimentação da homossexualidade,
tanto pela sociedade portuguesa no geral, como particularmente pela
lisboeta. Como ponto de junção dos aspectos mais marcantes deste
discurso surge a questão da conjugalidade como marco entre as formas de
vivenciar a homossexualidade.
O estudo pretendeu, igualmente, analisar a relevância da frequência
de locais públicos para a construção do discurso gay, bem como para o
processo de gestão simbólica da marginalização sexual nas primeiras
fases da construção de uma identidade gay. Já como reforço da
globalização das referências e quadros de identificação nos percursos de
vida gay surge a Internet.
Conclusões do autor
A autora conclui que ser gay induz ao domínio de técnicas de sedução
em público aceitáveis neste meio, bem como uma definição muito clara do
que (ou quem) pode ou não ser eroticamente atraente, aspectos
construídos, em grande parte, pela frequência dos locais públicos. São
estes, nomeadamente os bares, locais de resistência discursiva e de
fronteiras de significação que, também por incluírem elementos de
decoração, de utilização significativa da música e de performance,
cumprem, através da sua frequência, uma função de aprendizagem do “ser
gay”, quer no sentido individual, quer na elaboração de um corpo
partilhável de significados, favorecendo a criação e manutenção de uma
sociedade gay.
São os próprios espaços públicos, assim como as associações gay, a
mobilizar a Internet como instrumento de identificação entre o público,
ao qual se dirigem.
Assim, a questão gay, tal como a dos consumos culturais ao nível da
cidade de Lisboa, integra-se num projecto de modernidade global que vem
reforçando a marginalização relativa de alguns sectores da mesma,
levando ao surgimento de uma definição mais clara das fronteiras entre
dois mundos: homossexual e heterossexual.
Posto isto, para a maioria dos entrevistados, a bissexualidade é uma
forma de transição para a total assumpção da comunidade gay, enquanto
para outros esta é vista como uma espécie de disfarce ou recusa na
aceitação das dificuldades compreendidas na homossexualidade. Estes
últimos mantêm simultaneamente uma relação formal com a normalidade
heterossexual visto que procuram os espaços públicos gay para
experiências homossexuais esporádicas ainda que mantenham uma vivência
social e familiar heterossexual.
No que respeita à diversidade interna da conjugalidade gay, além de
se constituir como uma resposta a condições adversas específicas é,
também, o reflexo de um contexto ideológico de classe média (urbana e
escolarizada) no que toca à família e à sexualidade, visto que não se
distribui de forma aleatória dentro do meio. Apesar disso existe, entre
os inquiridos uma tendência evidente para o envolvimento em relações
conjugais, muito embora sob formas distintas, particularidade da
conjugalidade homossexual. A percepção da autora é, também, a de que
quem se assume como homossexual, consegue depois mais facilmente
construir as suas próprias normas noutros domínios além da sexualidade,
edificando uma postura menos mediada por embaraços de carácter moral ou
normativo, mais individualizada, independente e muito variável ao longo
do percurso de vida.
Embora, partindo de uma posição marginalizada o grupo entrevistado,
recorre a uma estratégia discursiva complexa a fim de contrariar essa
marginalização e tende a ver-se a si mesmo como parte integrante da
modernidade e globalização dos estilos de vida, projectando essa imagem
dentro do seu meio e, também, para o exterior através de uma
discursividade fortemente identitária.
Metodologia
da Amostra
Os sujeitos que constituem a amostra são na sua totalidade homens
jovens, escolarizados, da classe média urbana de Lisboa, que se
auto-identificaram como homossexuais face à sua orientação sexual.
dos Instrumentos
Os instrumentos utilizados foram: a entrevista, observação
naturalista e material de uma investigação qualitativa realizada,
anteriormente, no meio gay de Lisboa
dos Procedimentos
A investigação estruturou-se em torno de dois eixos de interesse: os
espaços de sociabilidade pública especificamente gay e a esfera
doméstica, em particular relacionada com a experiência de conjugalidade
destes homens.
Quadro de referência do autor
A autora aponta a utilização da teoria de J. Pina Cabral em 1996,
resultado de uma investigação qualitativa efectuada no meio gay de
Lisboa, intitulada “ A difusão do limiar: margens, hegemonias e
contradições na antropologia contemporânea”.
Quadro de referência do resenhista
Por termos de comparação com a quantitativa, denota-se que a
investigação qualitativa aqui em causa é muito mais centrada no
significado directo e imediato que o objecto de estudo tem nos sujeitos e
na contribuição que essas significações acabam por ter no construto
desses mesmos indivíduos.
Assim, o tema abordado não se obriga a uma análise obsessiva e
sistemática de dados objectivos, deixando espaço de manobra para
considerar alguma subjectividade inerente à abordagem efectuada.
Consequentemente, em vez de termos uma procura incessante por resultados
que nos possam permitir corroborar uma teoria e generalizá-la, acabamos
por ter uma perspectiva mais particular e discritiva da(s) questão(ões)
em causa. Logo a procura e selecção da amostra não se obriga a uma
representatividade populacional no sentido lato.
Para tanto, constata-se que, neste método de investigação, a relação
entre o investigador é de uma proximidade e envolvência com os sujeitos
que não é passível de se verificar no método quantitativo, até porque,
muito provavelmente, seria considerado contraproducente. Esta relação
leva a que o ritmo da investigação se faça com grande respeito pelos
timings dos sujeitos inseridos no estudo.
Em suma, podemos concluir que o método utilizado neste estudo tem uma
vertente marcadamente mais humanista e um carácter eminentemente social
de inspiração tendencialmente filosófica, quando comparado com o
quantitativo.
Crítica do resenhista
Neste texto em particular, não podemos deixar de referir que a
autora nem sempre consegue expor as suas ideias de forma clara e
eloquente aos leitores, a começar pela própria apresentação dos reais
objectivos do aludido, tornando complexa a compreensão do que pretende
transmitir por parte dos receptores. Sendo que, no entanto, não se pode
afirmar que se trata, por assim dizer, de um texto com elevado grau de
complexidade linguística e/ou técnica.
No decorrer da exposição a investigadora apresenta várias ilações
que, pese embora talvez possam não ser consideradas abusivas, parecem
carecer de mais ou, pelo menos, diferentes fundamentos a vários níveis.
O grau de respeito, proximidade e humanidade evidenciada para com os
indivíduos do estudo revelam uma empatia reconfortante para qualquer
potencial alvo de estudos futuros.
Indicações do resenhista
O artigo que ora se analisou na medida do solicitado e o próprio
estudo que está na génese, têm um certo e determinado interesse para a
prossecução de outros estudos relacionados com a comunidade gay e os
seus comportamentos pessoais e sociais.
Contudo, os investigadores que entendam enveredar por esta temática
deverão sempre olhar as referidas produções científicas atendendo à data
das suas publicações, pois, não podemos olvidar que os mais recentes
desenvolvimentos políticos e legislativos levam a que determinadas
aspectos passem a ter um enquadramento e uma leitura completamente
distintas das de então.