Em mais uma marcha do orgulho LGBT, falou-se da crise económica com preocupação. É que esta pode ser o pretexto ideal para retirar direitos e aumentar a discriminação
A crise económica acentua as desigualdades e entre a comunidade
homossexual, que celebrou neste sábado, dia 23, mais uma marcha do
orgulho gay, teme-se que este seja o pretexto ideal para retirar
direitos e aumentar a discriminação. A marcha do orgulho LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgéneros) desfilou pelas
ruas de Lisboa pela 13.ª vez, numa demonstração de apoio aos direitos
desta comunidade, que serviu para chamar a atenção para assuntos sérios,
no meio de uma festa de música e cor.
Ana Cristina Santos, porta-voz da associação Não Te Prives, um dos 20
colectivos que se juntaram à ILGA na promoção da iniciativa, sublinhou
que o trabalho feito nos últimos anos permitiu “avanços notáveis” a
nível jurídico (o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a lei da
identidade de género, o reconhecimento do crime de violência doméstica
entre parceiros do mesmo sexo ou a proibição da discriminação com base
na orientação sexual), mas considerou que ainda há muito por fazer.
“Continua a haver redutos de homofobia em várias destas esferas,
inclusivamente na lei. A questão da parentalidade é a mais óbvia, mas
esses redutos não se esgotam na lei. Continuam a reproduzir--se muitos
estereótipos, muita exclusão, muita desigualdade”, declarou. E a crise
pode contribuir para agravar o cenário, até porque, observou, “a
austeridade não se faz sentir sobre as pessoas de forma igual”.
Jovens são os mais afectados
Ana Cristina Santos afirmou que há “grupos que são afectados de forma
mais gravosa por esta crise” e deu como exemplo os jovens para quem o
corte nos apoios ao arrendamento e à aquisição de casa significa adiar a
saída de casa dos pais. “Com esse adiamento, as questões relacionadas
com a autonomia sexual e íntima ficam comprometidas, as pessoas vão sair
do armário mais tarde”, vincou.
Para a responsável da Não Te Prives, a crise põe em causa outros
direitos que não apenas os dos homossexuais, já que “as várias
desigualdades estão interligadas”. Ana Cristina Santos defende que os
“ecos conservadores” que começam a ouvir-se põem em causa conquistas que
dizem respeito a todas as pessoas, como o divórcio, a procriação
medicamente assistida ou o aborto, e que estão ameaçadas neste contexto
de crise.
“O discurso conservador demagógico acaba por colar: estamos numa
altura em que temos de gerir os recursos de forma parcimoniosa, e isso é
uma desculpa perfeita para discriminar. Nós dizemos não, em
desigualdade económica, não vamos aceitar desigualdade social”.
Marcha estende-se a cada vez mais cidades
João Carlos, um dos voluntários da marcha que marcou presença no
Príncipe Real, ponto de partida para o desfile concorda que a crise pode
fazer aumentar a discriminação: “É sempre um perigo. Nós estamos com
uma visão optimista do futuro e do mundo e é para esse mundo melhor que
queremos caminhar, mas sempre que há um processo de crise, cria medo e
há tendência para as pessoas se abrigarem em imagens paternalistas que
normalmente são autoritárias e podem tirar direitos a toda a gente”.
Também Carlota, uma jovem de 25 anos que participa habitualmente na
marcha, acredita que a crise pode ter impacto nesta comunidade porque
implica “pôr de lado estas questões” e dar relevância a outras “que
supostamente são mais importantes. “Temos muita pena e também estamos
aqui a lutar para que isso não aconteça”, enfatizou.
Já António, que surgiu pintado com as cores do arco-íris para mostrar
“o orgulho de ser homossexual”, não acredita que a crise venha a
afectar os seus direitos. “Nunca! Somos cidadãos e temos os mesmos
direitos”, gritou, para se fazer ouvir sobre os ruidosos tambores que
animavam a festa, onde eram também visíveis cartazes e faixas com
‘slogans’ activistas como “Famílias: Todas diferentes, todas iguais”.
A iniciativa tem sido descentralizada nos últimos anos e desde 2010
existem marchas em Coimbra, Lisboa e Porto. Este ano chega também aos
Açores. “Significa que há mais receptividade e isso é importante.
Significa que estamos a contribuir para a mudança de mentalidades, gota a
gota, marcha a marcha, mas não é em vão”, comentou Ana Cristina Santos.